A volta do vacina pouca, pro patrão primeiro

A manobra do presidente da Câmara, Lira, tenta o “liberou geral” para compra de vacinas e aplicação sem repasse para o SUS, sem prioridades e com isenção de impostos. Na prática cria um programa de vacinação paralelo usando dinheiro público. Independente de a lei passar ou não, ele é o presidente que faz parte do tal comitê emergencial contra a pandemia e deveria dar o exemplo.

Lira se justifica dizendo que “a iniciativa privada pode ter uma agilidade por outros caminhos (contrabando???) que possam trazer outras vacinas para o Brasil. Qualquer brasileiro vacinado neste momento é 1 a menos na estatística que pode correr risco de contrair o novo vírus”. Uma grosseira simplificação. Explico:

a- Vacina é bem escasso no mundo, inclusive grandes fabricantes, obedecendo códigos de seus países de origem, negociam apenas com governos;


b- Se sistemas privados especulativos entram agora no jogo, a tendência é de concorrerem com governos e subirem os preço;

c- Se há escassez, empresas podem romper contratos com países e venderem por preços maiores a entes privados;

d- Compra por empresas não será do excedente, mas concorrente. Quer dizer que para cada vacina que entrar pelo sistema privado, para atender demanda exclusiva, varias outras podem deixar de entrar no programa público;

e- Exportar qualquer coisa é complicado, remédios é extremamente burocrático, imaginem vacinas contra Covid-19, o que leva à hipótese de que se trata de “lavar os desvios” das doses que possam sumir nos estoques públicos ou são descartadas sem necessidade;

f- Vacinação é uma ciência, tem parâmetros que precisam ser seguidos, prioridades, prazo específico de segunda dose e outras providências que visam garantir a imunidade comunitária, vacina privada quebra essa lógica e diminui a eficácia;

g- Somente a rede pública tem condição de fiscalizar e garantir a qualidade e o correto manuseio, protegendo de fraudes e de efeitos adversos que, caso acontecerem na vacinação privada, acabarão por impactar a saúde pública, o que vai acabar na conta do SUS;

h- Pode haver dupla vacinação, pelos dois sistemas, não tem como controlar;

i- Tudo isso com dinheiro público por isenções;

j- Jovens e robustos ricos passando na frente de pessoas idosas e com comorbidades é uma afronta aos profissionais da saúde que morreram tentando salvar gente, é cínica quebra de solidariedade própria de nossos tempos.

Mas de onde vem essa sanha, essa pressa? Certamente Lira, conhecendo bem quem ele apoia, sabe que o Plano Nacional de Vacinação se arrasta e as notícias, na contramão das promessas delirantes de Bolsonaro que em pronunciamento anunciou 500 milhões de doses, são, conforme anúncio de Queiroga, de menos vacina para abril, metade do que tinha sido anunciado anteriormente.

Em 19 de março, Pazuello, ainda no comando da pasta, previa 47,3 milhões doses a serem entregues em abril, 23,2 milhões eram da vacina de Oxford/AstraZeneca e 15,7 milhões seria da CoronaVac. Mas Queiroga agora reduziu a expectativa para 25 milhões.

Esse quadro repete o que aconteceu em março, quando a previsão era de 38 milhões e só foram distribuídas 26 milhões. Somando-se as duas quebras temos cerca de 34 milhões de doses a menos do que o planejado, lembrando que já houve outros rebaixamentos de previsão na gestão Pazuello.

Nesses dois meses deixa de entrar 40% do que foi previsto anteriormente, muito longe de erro pontual ou conjuntural, indicando que se produziram números fictícios, provavelmente para tranquilizar a pressão vinda dos governadores, ou seja, os anúncios geradores de esperança têm pouca ou nenhuma credibilidade. E Lira, em vez de pôr o congresso a serviço da vacina, acena com medidas para beneficiar os seus financiadores.

A pandemia segue avançando com média móvel de óbitos em 3119, o que significa 21.883 mortes em uma semana. O número de casos ativos segue alto, acima de 1,2 milhão. A média móvel de casos novos cai discretamente, o que pode ser resultado do isolamento frágil e descoordenado. Veremos o que acontecerá na semana pós festas de Páscoa.

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