Quando vamos deixar de usar a expressão pejorativa: “Nada a lugar nenhum”?

Depois de 17 anos o Governo do Estado de São Paulo inaugura a estação Vila Sônia da Linha 4-amarela, administrada pela ViaQuatro na última sexta-feira (17). As obras estavam atrasadas há 7 anos e com isso o estado deve pagar uma multa de 700 milhões à concessionária devido ao atraso, sendo que foi prometida para 2014 ano da copa do mundo no Brasil. Os passageiros só puderam usufruir um pouco da nova estação no sábado (18) em horário reduzido

Banner com informações sobre o horário de funcionamento da estação Vila Sônia.

Na área de mobilidade urbana, a expressão de que determinado serviço liga nada a lugar nenhum significa, grosso modo, que uma rota rodoviária ou ferroviária não atende as demandas de uma determinada região em suas duas extremidades. Ou seja, a linha sai do ponto “A” (nada) e vai para o ponto “B” (lugar nenhum), sendo um serviço aquém do esperado. Uma das características é a baixa demanda, justamente porque não satisfaz o desejo de quem poderia usar esse meio de transporte.

Para ser sincero e sem hipocrisia, ouvimos essa frase pela primeira vez lá na primeira metade dos anos 2000, depois da inauguração do primeiro trecho da Linha 5-Lilás. Na época, a ligação saia do Capão Redondo e terminava no Largo Treze, no centro de Santo Amaro, distrito da zona sul de São Paulo. E, infelizmente, eu Thiago, cheguei a repetir essa frase algumas poucas vezes, mais por embalo do que, efetivamente, conhecimento.

O problema é que de lá para cá esse termo se disseminou e passou a ser usado de forma desenfreada e infundamentada. Qualquer serviço de transporte deficiente e que não atendia as demandas recebia essa alcunha, lamentavelmente. Nos últimos anos, as linhas 13-Jade e 17-Ouro também passaram a ser vistas como traçados que ligam nada a lugar nenhum.

Mas agora vamos perguntar: será que em São Paulo existe, de fato, alguma região que possa ser considerada “nada” ou “lugar nenhum”, levando em conta o adensamento populacional ou os polos regionais? Dificilmente.

Vamos começar com a Linha 5-Lilás, que, quando recebeu esse apelido ligava a Estação Capão Redondo ao Largo Treze de Maio, no centrinho de Santo Amaro. Segundo dados da prefeitura de São Paulo, o distrito periférico possuía, no ano 2000, cerca de 240 mil habitantes. Figurava entre os 10 distritos mais populosos da cidade na época. E por ser uma região essencialmente dormitório, havia e ainda há uma grande demanda por serviços de transporte que cheguem próximas das regiões mais centrais da cidade, onde estão as ofertas de emprego e demais equipamentos de lazer ou serviços públicos.

Na outra ponta da linha, Santo Amaro, possuía cerca de 60 mil habitantes e concentrava vários polos de empregos, além de ser um dos principais centros regionais da cidade. Além disso, a referida linha se conectava com a Linha 9-Esmeralda (na época denominada Linha C) e com o Terminal Santo Amaro, permitindo mais possibilidades de deslocamento para a região central. Onde está o “nada” e o “lugar nenhum”? Provavelmente na cabeça de quem não tem nada a acrescentar, não?

Depois de muitos anos, foi a vez da Linha 13-Jade receber tal apelido, pelo simples fato de sair de Engenheiro Goulart e conectar o Aeroporto de Cumbica. Nem precisamos dizer o quanto o aeroporto é importante, né? E no caso do distrito de Cangaíba (onde está localizada a estação do lado paulistano), temos uma população de mais de 136 mil habitantes, referente ao ano de 2010.

Por fim, a bola da vez é a atrasadíssima Linha 17-Ouro, que, no trecho atual vai ligar o Aeroporto de Congonhas à Estação Morumbi da Linha 9-Esmeralda. De um lado temos um dos aeroportos mais movimentados do país e, do outro, uma região com quase 50 mil habitantes, que divide um pouco entre dormitório e pontos de emprego.

Vejam que os três exemplos acima possuem uma grande importância sob o ponto de vista de mobilidade urbana, permitindo deslocamentos mais rápidos e conexões em regiões que, até então, eram deficientes sob essa ótica. Falar que essas linhas ligam, ligavam ou ligarão nada a lugar nenhum é de um desconhecimento e de um preconceito enorme e está totalmente fora da realidade.

Reclamações quanto aos intervalos, horários de operação, demora na implantação e até a qualidade do serviço serão sempre justas e concordaremos com a maioria. Até porque, com uma demanda enorme por transporte público, é natural que haja críticas desse tipo. Mas falar que tais regiões não possuem importância e que, portanto, aquela linha ou serviço é desnecessário, vamos discordar veemente.

“Nada a lugar a nenhum” é aquele tipo de frase que vem sendo repetida ao longo dos anos por osmose, sem fundamento algum. Mais do que isso, é uma frase que em nada representa a realidade de cidades do porte de São Paulo, onde qualquer quilômetro de metrô ou de corredor de ônibus, já representa um avanço para a mobilidade urbana, permitindo um deslocamento rápido ou um acesso maior na cidade.

Lembrando que os exemplos citados se caracterizavam por ainda estarem com o trajeto incompleto. A Linha 5-Lilás chegou em Santa Cruz, conectando com a Linha 1-Azul. A Linha 13-Jade possui um serviço que chega até a Estação Luz e há planos de um prolongamento até Bonsucesso. Por fim, na Linha 17-Ouro tem projeto de prolongamento nas duas pontas, atendendo um número maior de pessoas.

Para finalizar o artigo, vale uma reflexão: como era o deslocamento entre o Capão Redondo e Santo Amaro antes da Linha Lilás? Como era a chegada ao Aeroporto de Cumbica antes da Linha 13-Jade? Como é hoje o trajeto entre o Aeroporto de Congonhas e a Estação Morumbi e como ficará após a inauguração da linha? Certamente pior do que hoje.

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