Coisa pior que o caso Prevent Senior

Nos últimos dias tem aparecido na mídia notícias envolvendo um medicamento experimental para câncer, proxalutamida, que foi testado para tratamento de Covid-19. Testado é o modo de dizer.

Na verdade, a droga foi usada em pseudoexperimentos que foram denunciados como fraudes científicas e, pior, na condução criminosa de procedimentos que rivalizam com os descalabros da Prevent Senior. O fundo do poço parece não chegar nunca.

O caso vem repercutindo a meses, eu mesmo já escrevi sobre isso nesse Diário da Pandemia. Foi no texto de 20 de julho, cujo título desesperançado foi “parafraseando Hegel, o que aprendemos com a história é que nada se aprende com a história”.

O fato novo é que nesta semana a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura) se pronunciou sobre as 200 mortes de voluntários em uma pesquisa sobre proxalutamida feita no Amazonas.

A entidade reagiu a uma denúncia feita pelo Conep (Conselho Nacional de Ética em Pesquisa). O Conep também levou o caso à Procuradoria-Geral da República no mês passado, apresentando relatório em que informa que todo o protocolo aprovado foi desrespeitado. Mais do que erros formais (graves), o que ocorreu foi que pessoas submetidas ao tratamento tiveram eventos graves ou morreram. Mesmo assim, contrariando todas as boas práticas de pesquisa, o experimento foi continuado.

Há denúncias de que pacientes não eram informados que eram sujeitos de um experimento e que foram alvo de tratamento com cloroquina, inclusive com inalação, e com outros medicamentos não autorizados. Essa denúncia do Conep se refere à pesquisa liderada pelo endocrinologista Flávio Cadegiani e patrocinada pela rede privada de hospitais Samel, com diversas unidades hospitalares e centros clínicos no Amazonas.

Sobre o Dr. Cadegiani, vejam o que escrevi do Diário da Pandemia em julho deste ano: “Flávio Cadegiani, o pesquisador responsável pelo estudo, nega as acusações e suspeitas (na época sobre a consistência da pesquisa que dava índice de cura de 93%) e reclama da politização do debate, chamando de cegos os que não separam ciência de política e condenando os que recuam só (?) porque o presidente defendeu o medicamento”.

E sigo: “Lembrando que o próprio Cadegiani foi defensor dos mais ativos do chamado tratamento precoce pelo kit-covid, comprovadamente sem eficácia. Nosso doutor inclusive é autor do estudo que “embasou” o aplicativo TrateCov, do governo federal, que indicava a cloroquina e outros, e que depois da CPI foi tirado do ar.

Parece que o indignado pesquisador sabe o que é politizar ciência melhor que a maioria de seus colegas”. O comunicado da Unesco ressalta que não há emergência sanitária ou contexto político que justifique as práticas denunciadas e que “é urgente que, em caso de irregularidades comprovadas, todos os atores sejam responsabilizados, não só de forma ética, mas também legalmente, incluindo as equipes de investigação, as instituições e patrocinadores responsáveis, nacionais e estrangeiros.

“Evidente que se há alguma coisa errada sobre a pandemia, Bolsonaro está por perto, já em 17 de março, saindo do hospital, Bolsonaro disse: “tem uma coisa que eu acompanho há algum tempo e nós temos que estudar aqui no Brasil. Chama-se proxalutamida.

Já tem uns meses que isso aí, não está no mercado, é uma droga ainda em estudo” e “existe no Brasil de forma não comprovada cientificamente”. Ou seja, negacionismo, pseudociência e busca de uma oportunidade de ganhar dinheiro parece estar na síntese dessa ação, tanto que, para além da pesquisa, a tal rede hospitalar Samuel usou a droga em como tratamento e há informações de que isso ocorreu em 3 estados e nove cidades.

O comunicado da Unesco fala em 200 mortes, mas se seguir a investigação, é possível que sejam muito mais. Repito minha proposta de que precisaremos de uma comissão da verdade sobre a pandemia.

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