Mais um capítulo vergonhoso da pandemia veio à tona com as denúncias de que planos de saúde como Prevent Senior e Hapvida distribuíram o famigerado “kit COVID”, composto por medicamentos como cloroquina, azitromicina e ivermectina, comprovadamente ineficazes contra a COVID-19. A suspeita de que outros planos privados possam ter seguido o mesmo caminho não é apenas uma probabilidade. Com uma simples busca no Google, encontram-se denúncias concretas envolvendo a Unimed, que também aderiu à prática em unidades de Brusque (SC), Belém (PA), Fortaleza (CE) e Natal (RN).
Na unidade de Brusque, o kit COVID era entregue em caixas estilizadas, amarradas com fita, exibindo um logo que dizia “KIT COVID”, como se fosse um presente. Um presente de grego, na verdade, que iludia pacientes e profissionais da saúde com tratamentos sem comprovação científica, colocando em risco vidas humanas.
Essa prática não se limitou ao setor privado. No âmbito público, o Ministério da Saúde também foi responsável pela distribuição do kit COVID dentro da rede SUS. Em abril de 2021, mês em que o Brasil registrava recordes diários de mortes pela doença, o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) denunciou que os estados estavam recebendo do governo federal mais medicamentos do kit COVID do que os indispensáveis para o procedimento de intubação. Ou seja, enquanto milhares morriam asfixiados nos hospitais, o governo federal priorizava distribuir “remédios milagrosos” em vez de equipamentos e insumos realmente necessários para salvar vidas.
O impacto desse absurdo vai muito além dos números. É um legado de desinformação, desespero e oportunismo político que será difícil de explicar às gerações futuras. Como poderemos justificar que, em pleno século XXI, permitimos a disseminação de tratamentos falsos, mesmo com alertas incessantes da comunidade científica e dos órgãos de saúde? Quando as perguntas inevitavelmente surgirem — “Mas vocês deixaram isso acontecer?” — será doloroso admitir que, sim, permitimos.
O que vivemos se assemelha a um pesadelo coletivo, onde decisões absurdas se tornaram norma e vidas foram tratadas como estatísticas descartáveis. A letra de Chico Buarque resume bem essa sensação:
“Que sonho é esse de que não se sai
E em que se vai trocando as pernas
E se cai e se levanta noutro sonho”
Acordar desse pesadelo exige esforço, memória e compromisso. Precisamos documentar, denunciar e cobrar justiça para que erros tão graves nunca mais se repitam.