A recente reportagem da UOL, assinada por Thiago Herdy, revelou a criação de uma força-tarefa pelo Ministério Público Estadual de São Paulo (MP-SP) para investigar as ações da Prevent Senior, com base nas revelações da CPI da Pandemia. Embora o anúncio de uma investigação seja visto como uma resposta necessária e urgente, a situação esconde uma realidade mais sombria. Há mais de um ano, desde março de 2020, pelo menos três inquéritos haviam sido instaurados no MP-SP para apurar a conduta da operadora de saúde, mas todos foram arquivados.
O fato de esses inquéritos terem sido arquivados sem uma resposta eficaz à gravidade das acusações levanta sérias questões sobre a efetividade da fiscalização e da atuação do Ministério Público. Um dos arquivamentos ocorreu sob a responsabilidade do promotor Cássio Roberto Conserino, conhecido por sua atuação em casos polêmicos, incluindo a solicitação de prisão de Luiz Inácio Lula da Silva. Ao arquivar o caso, Conserino justificou que a subnotificação de casos de Covid-19 seria uma “infração de menor poder ofensivo” e que a falta de notificação não causaria mortes. Essa argumentação parece desconsiderar a realidade trágica de uma pandemia global e as implicações de não comunicar adequadamente as mortes.
Em outro caso, a promotora Ana Paola Ambra arquivou uma investigação criminal sobre a Prevent Senior, argumentando que as dificuldades enfrentadas pelos hospitais durante a crise sanitária justificariam as falhas no processo de notificação e no tratamento. Tal argumento levanta a questão de até que ponto a pressão do contexto pandêmico pode ser usada para justificar a negligência e o desrespeito aos protocolos sanitários, especialmente quando vidas estavam em jogo.
Esses arquivamentos ocorreram no contexto de uma pandemia em curso, e enquanto o MP-SP falhava em investigar a fundo, vidas estavam sendo perdidas e práticas questionáveis estavam sendo implementadas. Mais de um ano antes das revelações da CPI, o Ministério Público teve a chance de agir, mas não o fez, negligenciando o seu papel de garantir que os responsáveis pela saúde pública cumprissem suas obrigações com seriedade.
A questão da ética médica também é central nesse caso. Muitos médicos afirmaram ter receitado medicamentos como a cloroquina por pressão superior, uma defesa que, embora compreensível até certo ponto, não exime os profissionais de sua responsabilidade ética. Em qualquer situação, um médico tem o dever de proteger a saúde do paciente, colocando a ética profissional acima de qualquer pressão externa. O compromisso com o bem-estar do paciente não pode ser comprometido por ordens superiores, especialmente quando essas ordens são baseadas em informações científicas falhas ou negacionistas.
A confiança que depositamos nos médicos, na sua formação e na ética da profissão, é um dos pilares do sistema de saúde. Sabemos que médicos podem cometer erros ou ser pouco competentes, mas o que se espera deles é que sempre busquem o melhor para seus pacientes, mesmo em situações adversas. O que aconteceu na Prevent Senior, onde tratamentos questionáveis foram administrados a pacientes sem o devido respaldo científico, fere essa confiança básica e coloca em xeque a integridade de toda a profissão.
Um dos aspectos mais tristes desse episódio tem sido a postura do Conselho Federal de Medicina (CFM). Em vez de defender a ética profissional e a saúde pública, o CFM se alinhou com o negacionismo e com a defesa de práticas como o “tratamento precoce”, que, como demonstrado, não têm eficácia comprovada. Essa postura coloca em risco a credibilidade da medicina como um todo e reforça um movimento político e ideológico que negligencia a ciência e a saúde da população.
A criação da força-tarefa do MP-SP é um passo importante, mas surge tarde demais para muitas vítimas que poderiam ter sido salvas se o Ministério Público tivesse agido de maneira mais diligente no passado. O caso da Prevent Senior é um alerta para a necessidade de uma atuação mais firme e ágil das instituições responsáveis pela fiscalização e proteção da saúde pública.