A persistência de ideias negacionistas e os desafios para a medicina enfrentados durante a pandemia de Covid-19
O Brasil ultrapassou a marca de 553 dias de registro de mortes pela pandemia de Covid-19, com quase 591 mil óbitos e uma média diária alarmante de 1.070 mortes. São números devastadores que deveriam ser suficientes para despertar um senso coletivo de urgência, mas, lamentavelmente, ainda há muitos que minimizam ou duvidam da gravidade da situação. Recentemente, ao esperar o meu ônibus para voltar para casa, ouvi um senhor de aproximadamente 70 anos alegando que os registros de óbitos eram falsificados e que as pessoas estavam morrendo por não receberem tratamento com ivermectina, um medicamento sem eficácia comprovada para o tratamento de Covid-19, e que ele havia escutado isso de médicos.
Embora a fala desse senhor contenha um aspecto alarmante, ela também revela uma realidade ainda mais assustadora: a existência de uma significativa quantidade de médicos e até organizações médicas que endossam tratamentos sem base científica e perpetuam ideias falaciosas. Planos de saúde privados como Hap Vida e Prevent Senior, até recentemente, incluíam a prescrição de tratamentos precoces em seus protocolos, pressionando seus profissionais a adotar tais medidas. A permanência dessa postura, que claramente se afasta das evidências científicas, torna-se um problema sério e estratégico que precisa ser enfrentado.
É urgente que o Ministério Público investigue o envolvimento de médicos e organizações médicas com o negacionismo, levando até as últimas consequências aqueles que fazem coro a esse movimento. Ao mesmo tempo, entidades como as associações médicas que resistiram ao negacionismo, os cursos de medicina e até o próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) — que, após expurgar práticas fascistas em suas estruturas, deve se posicionar firmemente em defesa da ciência — têm a responsabilidade de tratar deste tema e tentar compreender o que levou à deturpação de princípios tão fundamentais.
Durante a pandemia, o CFM chegou a defender que médicos pudessem prescrever medicamentos comprovadamente ineficazes, como a cloroquina e a ivermectina, em nome da autonomia profissional e da liberdade de escolha. No entanto, o que deveria ter prevalecido era a ciência, e não opiniões pessoais, muitas das quais se mostraram desinformadas e perigosas. Essa postura fragilizou a confiança da população na medicina e na ciência, alimentando a proliferação do negacionismo.
A reflexão necessária para o resgate dos valores da medicina deve ser feita com urgência. A participação das forças progressistas da medicina nas eleições para o CFM, tanto no âmbito federal quanto regional, é fundamental para restaurar a ética, a democracia e o compromisso com a saúde pública. A medicina deve ser pautada pela ciência, pela verdade e pelo entendimento de que a saúde é um direito de todos, e não uma área onde as ideologias possam prevalecer sobre o bem-estar da população.