Navegar é preciso…

Hoje topei com uma notícia curiosíssima que me fez demorar um tempinho para perceber exatamente do que se tratava. A chamada da notícia era de que manifestantes receberam um militar de alta patente (vice-almirante), Gouveia e Melo aos gritos de genocida e assassino, quando o militar fazia uma visita a um centro de vacinação.

Mais surpreso ainda é que o militar após os protestos afirma aos repórteres que manifestar-se faz parte da democracia e em seguida se saía com a frase – “o negacionismo e o obscurantismo é que são os verdadeiros assassinos” e logo mais arrematava com “vacina não mata, quem mata é o vírus”.

Alguns segundos de dissonância cognitiva, nova busca no site e (que decepção…) descobri que a notícia era de Portugal. Mais uma fuçada no Google e me deparo com o decreto da criação de uma força-tarefa para coordenar os esforços de vacinação no país, assim anunciada no sítio do Serviço Nacional de Saúde de Portugal:

“A task force (força-tarefa) para a elaboração do «Plano de vacinação contra a COVID-19 em Portugal», criada pelo despacho nº. 11737/2020, de 26 de novembro, das áreas governativas da Defesa Nacional, Administração Interna e Saúde, tem como objetivo garantir a coerência e execução do Plano e coordenar o trabalho já realizado, entre todas as entidades envolvidas no sucesso desta operação, bem como a articulação com as Regiões Autónomas e auscultação de organismos relevantes”.

A outra estranheza foi o uso da expressão em inglês (task force), amplamente consagrada na mídia portuguesa, o que eu julgava não seria o costume lusitano. Como exemplo, usam a palavra sítio no lugar de “site”, sendo geralmente muito ciosos da língua e avessos a expressões em inglês.

Mas voltando ao tema pandemia. Curiosíssimas as palavras de ordem dos manifestantes chamando o militar de assassino e genocida, o que caberia perfeitamente ao milico na presidência e ao milico que desgovernou o Ministério da Saúde. Lá os antivacina acusam a vacinação de provocar mortes, e devem acreditar que são muitas mortes, a ponto de, segundo eles, os responsáveis pela vacinação merecerem o epíteto de genocidas.

Felizmente trata-se de um grupo minoritário e que se enquadra na onda da extrema-direita e suas teorias conspiratórias. Mas uma coisa que me causa admiração é o esforço de “garantir a coerência e execução do Plano [de vacinação] (…)”. Justamente o que nunca se fez aqui, nem com vacinação e nem com o combate à pandemia de modo geral.

Outra coisa de causar mais do que admiração, inveja mesmo, é um militar coordenando o esforço de vacinação, enquanto os daqui atrapalharam o quanto puderam ou vacinaram-se escondidos, com medo do chefe genocida. Inveja também pelo fato de um militar de alta patente ao ser atacado defender, antes de mais nada, a democracia e de quebra denunciar o negacionismo e o obscurantismo.

Pensei em sugerir aos nossos militares intercâmbio com os de Portugal, e não com os dos EUA que eles tanto gostam. Quem sabe um exercício conjunto com as FFAA portuguesas simulando a defesa de um ataque de vírus.

Metaforicamente, cito um trecho da canção Fado Tropical, de Chico Buarque e Ruy Guerra:
“Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal”

Na atual conjuntura, que assim seja.

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