O contraste entre os esforços de vacinação no Brasil e em Portugal, com o foco em lideranças militares, é um reflexo das disparidades políticas e administrativas que marcaram a pandemia.
Hoje, uma notícia de Portugal chamou a atenção de muitos. Durante uma visita ao centro de vacinação, o vice-almirante Gouveia e Melo foi recebido com gritos de “genocida” e “assassino” por manifestantes, o que imediatamente gerou grande surpresa, considerando o contexto da pandemia e a figura do militar envolvido. No entanto, o que veio a seguir foi ainda mais curioso: Gouveia e Melo, ao ser abordado pela imprensa, respondeu com uma frase que reflete o espírito da democracia: “O negacionismo e o obscurantismo é que são os verdadeiros assassinos.” Para completar, ele afirmou, “vacina não mata, quem mata é o vírus.”
A decepção inicial, ao perceber que a notícia se referia a Portugal, foi seguida por uma nova descoberta: o país criou uma força-tarefa para coordenar seus esforços de vacinação contra a Covid-19. De acordo com o Decreto nº 11737/2020, publicado no site do Serviço Nacional de Saúde, a tarefa dessa força-tarefa é garantir a coerência e execução do Plano de Vacinação, coordenando as ações entre diferentes entidades governamentais, e garantindo a articulação com as Regiões Autónomas.
A surpresa não se limitou apenas à notícia sobre a criação da força-tarefa. O uso de expressões em inglês, como “task force”, que são amplamente adotadas pela mídia portuguesa, foi outro ponto de estranheza. Em um país que, de modo geral, se orgulha de preservar a língua portuguesa, essa influência do inglês parece destoar do usual.
Voltando ao tema da pandemia, é curioso observar a reação dos manifestantes que acusaram Gouveia e Melo de genocídio e assassinato. Embora essas acusações pareçam direcionadas ao governo brasileiro, onde a condução da pandemia tem sido marcada por omissões e até obscurantismo, elas também revelam a forma como o movimento antivacina tem ganhado terreno. No entanto, felizmente, esse grupo é minoritário e se encontra ligado à extrema-direita, adotando teorias conspiratórias que tentam desacreditar a vacinação e distorcer os dados científicos.
No Brasil, o contraste é evidente. Enquanto em Portugal há um esforço claro para garantir a execução do Plano Nacional de Vacinação, no Brasil essa coordenação tem sido prejudicada por disputas políticas, desinformação e ações que minaram a confiança na vacina. O exemplo de Portugal, com um militar liderando a vacinação, é um reflexo de uma organização eficiente, algo que nunca se concretizou por aqui.
O mais admirável em Portugal é que o vice-almirante, mesmo após ser atacado, defendeu a democracia e apontou os riscos do negacionismo. No Brasil, por outro lado, temos militares se dobrando à vontade de um presidente que negou a gravidade da pandemia, sabotou medidas de prevenção e demorou a implementar políticas de vacinação eficazes.
Uma reflexão a ser feita é que os militares brasileiros poderiam aprender algo com seus colegas portugueses. Talvez um intercâmbio, mais do que com as Forças Armadas dos EUA, como muitos gostariam, fosse mais proveitoso com as FFAA portuguesas, que coordenam de maneira eficiente uma resposta à pandemia. Quem sabe um exercício conjunto simulando um “ataque de vírus” poderia trazer a lição de como agir com responsabilidade e coerência em tempos de crise.
É nesse cenário que, de maneira quase metafórica, cito a canção Fado Tropical, de Chico Buarque e Ruy Guerra: “Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal / Ainda vai tornar-se um imenso Portugal.” Na atual conjuntura, que assim seja.