A Guerra Comercial e as Vacinas: Superpotências em Disputa pela Imagem Humanitária

No contexto da pandemia, a competição entre China e EUA vai além dos números de doses de vacina: trata-se também de uma disputa simbólica pela liderança global e pela construção de imagens públicas.

A pandemia de Covid-19 trouxe consigo não apenas desafios sanitários, mas também uma guerra comercial que se reflete em todos os aspectos da resposta global à crise. Neste cenário, as superpotências mundiais, como China e Estados Unidos, têm disputado não apenas a produção e distribuição de vacinas, mas também a narrativa sobre sua capacidade de ação humanitária, cada uma tentando construir uma imagem mais positiva diante do mundo.

A China, em uma clara demonstração de sua capacidade produtiva, anunciou a distribuição de 2 bilhões de doses de vacina, enquanto os Estados Unidos se comprometeram a enviar 500 milhões. Mas essa disputa não se resume apenas aos números. O verdadeiro objetivo é muito mais simbólico: cada nação tenta projetar uma imagem de generosidade e de poder global capaz de promover soluções para problemas que afetam a todos. Para os Estados Unidos, essa ação também serve para suavizar sua imagem de intervencionistas, conhecidos por se posicionarem como os “xerifes do mundo”. Já para a China, a distribuição das vacinas visa ir além da imagem de uma potência econômica que se impõe pelo seu poderio financeiro, tentando reforçar a ideia de uma nação disposta a se engajar em causas humanitárias.

Porém, essa disputa envolve também uma questão técnica e política mais direta: a comparação das vacinas chinesas com as ocidentais, em particular as produzidas por empresas como Pfizer e AstraZeneca. Desde o início, as vacinas chinesas foram alvo de críticas que questionam sua eficácia, especialmente em relação à variante Delta do coronavírus. Essa tentativa de descreditar os imunizantes produzidos pela China reflete uma rivalidade mais ampla, onde os EUA, além das vacinas, buscam destacar seus avanços tecnológicos, como na produção de carros elétricos e foguetes, sugerindo que suas tecnologias são superiores, ou, pelo menos, mais alinhadas com os padrões ocidentais de inovação.

É impressionante como, frequentemente, as vacinas chinesas são tratadas como inferiores, especialmente nos países que mais enfrentam dificuldades com o controle da variante Delta. Alemanha, Reino Unido, Japão e Estados Unidos, que utilizam majoritariamente as vacinas da Pfizer e AstraZeneca, são também aqueles que estão experimentando altos índices de infecção por Delta. Enquanto isso, a China, embora também afetada pela variante, tem adotado uma estratégia rigorosa, combinando lockdowns, testagem em massa e, é claro, a aplicação de vacinas chinesas para conter a propagação do vírus.

No Brasil, o preconceito contra as vacinas chinesas está enraizado em uma narrativa política impulsionada pelo presidente Jair Bolsonaro, que, utilizando de desinformação e discursos de ataque, tem tentado desacreditar os imunizantes, como a CoronaVac, adquirida pelo Ministério da Saúde e incorporada ao plano de vacinação nacional. Essa postura, apesar de contraditória, é menos surpreendente do que parece, considerando o histórico de negação de Bolsonaro a diversos aspectos científicos e suas repetidas acusações infundadas sobre processos eleitorais e outras questões.

O cenário mostra que, além da crise sanitária, estamos diante de uma guerra de narrativas globais. A disputa sobre as vacinas é emblemática de um mundo onde, muitas vezes, a ideologia e o poder econômico se sobrepõem às questões de saúde pública, fazendo com que decisões cruciais sejam tomadas com base em interesses políticos e comerciais, em vez de uma verdadeira colaboração global. O desafio agora é garantir que a pandemia seja combatida de forma justa e eficaz, sem que as disputas entre potências e o preconceito em relação a determinados imunizantes prejudiquem o bem-estar de milhões de pessoas.

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