Vendendo o almoço para garantir a janta

O mundo definitivamente estava preparado para a chegada da pandemia de SARS-CoV-2. Essa é certamente a opinião do vírus (com o perdão da ironia).

O novo coronavírus encontrou o ocidente economicamente manietado ao neoliberalismo que desorganiza o papel do estado como garantidor de bem-estar social, ao contrário, passa a atuar como agente concentrador de riquezas e disseminador de miséria.

BIG datas, ultrafinanceirização e uberização do trabalho completam o quadro de desemprego, perda de poder dos sindicatos e quebra da solidariedade de classe, substituída pela ideia de empreendedorismo do tipo ‘sou patrão de mim mesmo’.

No plano político se consolida o avanço da extrema direita com suas políticas  xenofóbicas, em resposta aos movimentos migratórios causados pela nova ordem econômica do capitalismo. A isso se soma o fortalecimento das pautas reacionárias na área dos costumes.

Teorias conspiratórias povoam o imaginário e as mídias sociais contribuem definitivamente para a confusão geral do que seja fato ou opinião, em que a desconfiança de que poderíamos estar sendo manipulados pelas grandes mídias é substituída pela certeza de que estamos tendo acesso à verdade pelas fontes que “escolhemos” , que compõe nossa bolha. No caso da pandemia, isso atende pelo nome de negacionismo.

Vamos ficar no caso das vacinas. Na Europa e, principalmente, nos EUA, vive-se o fenômeno da recusa à vacina. Há fortes movimentos ideológicos que vão desde os que defendem que as vacinas deveriam ser substituídas por métodos naturais até os que acreditam que vacinas seriam formas de controle genético pelos governos, corporações ou grupos secretos (comunismo também), passando por todo tipo de ideias paranoides de controle e crenças religiosas como a marca da besta, entre outras.

Alguns desses grupos esgrimam pesquisas (elas sempre aparecem) que correlacionam vacinas à autismo, depressão ou suicídio, geralmente com dados de fontes não confiáveis ou, como se sabe, porque é possível correlacionar quase tudo a qualquer coisa, o que é diferente de estabelecer causa e efeito.

O fato é que já se fala em pandemia de Covid-19 dos não vacinados, o que não é pouca gente. Nos EUA, por exemplo, quase metade da população não quer se vacinar. Mais grave é a informação de que 40% dos profissionais de saúde de lá não se vacinaram e os estudos já apontam essa categoria como um dos principais vetores da propagação da doença pois, por óbvio, atendem pessoas.

Mas no Brasil é diferente, para pior. Participamos de todas as mazelas políticas e econômicas do planeta, agravado pelo fato de estarmos na periferia do capitalismo e de vivermos um processo de golpe político 2016 que foi recrudescendo com a eleição de Bolsonaro.

Aqui a pauta liberal de desmonte do estado do estado, privatizações, destruição de direitos sociais e trabalhistas é a mais agressiva do mundo e, em relação à pandemia, o negacionismo foi (e é) a política oficial, com ações intencionais e organizadas visando espalhar o vírus.

Por isso adiou-se o quanto se pôde a compra de vacinas, mas, de quebra, abriu-se com esse atraso a possibilidade de se fazer negócios, ou, enquanto Bolsonaro promovia distrações, a pátria era subtraída em “tenebrosas transações” , parafraseando Chico Buarque.

Aqui não se sabe quantos recusariam a vacina pois o gargalo é a escassez de imunizantes. Sabemos que tem gente escolhendo, mais precisamente, recusando a CoronaVac pelo fato de ser chinesa. Mas na bolha comunicacional, esses sommeliers de vacinas não se atentam à informação de que a outra, a AstraZeneca, também é chinesa, pois é de lá que vem o IFA usado pela Fiocruz. Aliás, cerca da metade de todos os medicamentos que aqui usamos vem da China.

Seguimos assim, quase 7 meses de campanha de vacinação e apenas 18% da população totalmente imunizada. Hoje, 9 capitais suspendendo a vacinação da primeira dose para garantir a segunda, aplicando o famoso método de vender o almoço para comprar o jantar.

193 dias de campanha geral e 174 segunda dose ou dose única.
– pessoas vacinadas ao menos uma dose: 96,332 milhões (45,49% da pop.)
– imunizadas: 37,459 milhões (17,73% da pop.), sendo 3,590 milhões com dose única.

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