O diretor-geral da OMS critica a desigualdade no enfrentamento da pandemia e a manutenção de eventos como a Olimpíada, em meio a altos riscos sanitários.
Em um discurso contundente ontem (21) ao Comitê Olímpico Internacional, Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), alertou que o mundo está no início de uma nova onda de infecções e mortes por COVID-19. Adhanom ressaltou as diferenças extremas no estágio da pandemia entre países, onde uns avançam com altas taxas de vacinação e medidas rigorosas de contenção, enquanto outros enfrentam dificuldades em vacinar suas populações e até mesmo em implementar medidas básicas de controle. O Brasil, mencionado como um exemplo, foi apontado como um dos países que não toma as medidas adequadas, contribuindo para a perpetuação e os danos econômicos e sanitários da crise.
Tedros não poupou palavras ao classificar a desigualdade na distribuição das vacinas como um “erro” econômico, epidemiológico e moralmente inaceitável. Para ele, essa disparidade global contribui para prolongar a pandemia, trazendo consequências prejudiciais tanto para a saúde pública quanto para as economias. Adhanom até chegou a chamar isso de um “crime contra a humanidade”, um reflexo da desorganização e falta de solidariedade entre nações, que não souberam se unir para combater um inimigo comum.
Ele lamentou a falta de ação coordenada globalmente e destacou que, ao invés de se fortalecerem laços de cooperação internacional, a pandemia tem sido um cenário para intensificar a competição entre países e blocos econômicos. Isso é evidenciado pela resposta fragmentada à pandemia, com alguns países promovendo políticas isoladas, o que afasta a ideia de uma solidariedade internacional. No caso da Europa, Adhanom observou que até mesmo uma região com uma estrutura de integração como a União Europeia não conseguiu enfrentar a pandemia de forma coesa.
Internamente, as disparidades sociais também se intensificaram. Um exemplo claro disso é a situação da cidade de São Paulo, onde bairros ricos registram um número maior de infectados, mas com menos óbitos, já que a população tem acesso a melhores serviços de saúde e testes. Por outro lado, os bairros mais pobres enfrentam índices de óbitos mais elevados, já que muitos só procuram atendimento quando a doença já está em estágio grave. A pandemia acentuou ainda mais a desigualdade social, dificultando o acesso equitativo à saúde e ao suporte necessário para combater a COVID-19.
O discurso de Tedros foi feito em meio a um contexto peculiar: o Comitê Olímpico Internacional decidiu manter a realização dos Jogos Olímpicos, adiados de 2020 para 2021, apesar dos riscos sanitários. O evento, que começará na próxima sexta-feira, será realizado sem público, com o Japão enfrentando um aumento nos casos da variante Delta e com uma taxa de vacinação da população abaixo de 25%. Para Adhanom, a decisão de realizar as Olimpíadas nessas condições sanitárias é um erro grave, pois coloca em risco a saúde pública e pode facilitar a disseminação de novas variantes.
Em vez de ser uma celebração da vitória da humanidade sobre o coronavírus, o evento Olímpico, para o diretor da OMS, será marcado pelo medo e pela desconfiança, em um contexto em que interesses questionáveis parecem ter prevalecido sobre a saúde da população. A ausência de público nas arenas e a crescente insegurança em torno da pandemia refletem uma realidade desconcertante: o mundo não conseguiu universalizar a justiça e o bem-estar, e a luta contra a COVID-19 se tornou um símbolo da nossa incapacidade coletiva de enfrentar desafios globais.
Tedros finalizou seu discurso com uma ironia sombria: se a pandemia fosse substituída por um ataque alienígena, as chances de uma resposta global mais unificada seriam muito maiores. Isso ilustra a triste realidade de que, enquanto a ameaça é interna e pode ser combatida com solidariedade e ação coordenada, a verdadeira resposta ainda parece distante.
Até o momento, o Brasil vacinou 92,089 milhões de pessoas com pelo menos uma dose, representando 43,49% da população. Porém, apenas 16,82% da população está completamente imunizada, com 3,448 milhões tendo recebido a dose única. Esses números refletem o ritmo lento da vacinação e a necessidade urgente de intensificar os esforços para alcançar a imunidade coletiva e conter a pandemia de maneira mais eficaz.