E se fosse um ataque alienígena

Tedros Adhanom, diretor geral da OMS, resolveu jogar pesado. Discursando ontem (21) para o Comitê Olímpico Internacional de Tóquio disse que o mundo está no começo de outra onda de infecções e mortes por Covid-19.

Tedros aponta para o fato de a pandemia estar em estágios muito diferentes, com países abrindo e outros fechando. Diria também, países vacinando quase todos os adultos e países em estágios iniciais da vacinação ou, países que tomaram e tomam medidas não farmacológicas adequadas, testam, identificam cepas e outros que nada disso fazem. Exemplo? O Brasil.

Tedros afirma que essas discrepâncias e a profunda desigualdade da distribuição de vacinas entre países (mesmo entre regiões em alguns países) alimentam a duração e os efeitos perniciosos da pandemia e classifica como um erro do ponto de vista econômico e epidemiológico (ele chama de autodestrutivo), além de ser moralmente inaceitável. Acrescentaria que se trata de crime contra a humanidade.

Adhanom tem razão em insurgir-se e de estar decepcionado. Ele, e muitas pessoas, acreditam que ter um problema dessa magnitude e de caráter global poderia impulsionar um movimento de solidariedade entre nações em que todas trabalhariam contra o inimigo comum, como acontece em filmes de ficção que tratam de ataques alienígenas.

Exagerou no otimismo. Até mesmo porque o que mais se observa na história é o exato oposto disso, com guerras quentes e frias, disputas comerciais, embargos e por aí vai. Também já temos um estoque grande de problemas globais, como fome, poluição, migração forçada, violência urbana, secas, inundações e, por óbvio, o aquecimento global.

Parece que, ou assumidamente ou por força das estruturas econômicas e de poder, a pandemia tem sido cenário propício para fortalecer ou criar relações de poder e mais competição. Nem a Europa unida enfrentou a pandemia como Europa.

Esse cenário de disputas entre nações e blocos também se verificou no interior das sociedades. O que vimos foi a pandemia acirrando competição e agravando diferenças sociais.

Caso ilustrativo é o mapa de casos e mortes na cidade de São Paulo. Os bairros mais ricos têm maiores índices de infectados e os mais pobres têm maior índice de óbitos. A interpretação correta disso é que os ricos têm mais oportunidades de acesso a serviços de saúde, inclusive testes. Nos bairros pobres temos mais infectados, mas a maioria saberá quando estiver gravemente doente ou quando morrer.

A fala do Tedros foi dirigida ao comitê olímpico que suspendeu a realização do evento em 2020 e remarcou para agora (inicia-se na sexta-feira). Sem público, no meio ao avanço dos casos no Japão, sendo que nos últimos dias a predominância é da variante Delta. A média móvel de casos no Japão é de 3,5 mil, sendo metade do pior índice desde o início da pandemia, com o agravante de que a taxa da população totalmente imunizada é de menos de 25%.

É um erro enorme manter a realização da Olimpíada nessas condições sanitárias, com os enormes riscos envolvidos, inclusive de exposição a novas variantes. Em vez da celebração da vitória da humanidade sobre novo coronavírus, teremos um evento marcado pelo medo e pela desconfiança de que interesses não muito nobres prevaleceram.

As imagens das disputas sem a presença de público nas arenas, reforçará o sentimento de desamparo e de que estamos perdendo para a doença, ou melhor, perdendo para nós mesmos, pela nossa incapacidade de universalizar justiça e bem-estar, que é proporcional à nossa incapacidade de conter a Covid-19.

Temo que se em vez de vírus fosse um ataque de ETs, perderíamos fácil.

  • pessoas vacinadas ao menos uma dose: 92,089 milhões (43,49% da pop.)
  • imunizadas: 35,620 milhões (16,82% da pop.), sendo 3,448 milhões com dose única.

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