Parafraseando Hegel, o que aprendemos com a história é que nada se aprende com a história

Não é que depois de kit-covid, tratamento precoce, cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina, Bolsonaro volta à carga com a proxalutamida. Trata-se de um medicamento ainda experimental para tratamento de câncer de próstata e é um bloqueador de hormônios masculinos tipo testosterona. É fabricado por uma farmacêutica chinesa.

Em 17 de março, saindo do hospital, Bolsonaro disse: “tem uma coisa que eu acompanho há algum tempo e nós temos que estudar aqui no Brasil. Chama-se proxalutamida. Já tem uns meses que isso aí, não está no mercado, é uma droga ainda em estudo” e “existe no Brasil de forma não comprovada cientificamente”.

A história é longa e quem quiser mais detalhes acesse a matéria da BBC Brasil assinada por Paula Adamo Idoeta. Eu tentarei resumir aqui.

Foi feito um estudo entre março e junho, e publicado no periódico Frontiers in Medicine, depois de ser recusado pelo The Lancet e pelo The New England Journal of Medicine, este por não ter tido acesso aos dados brutos. O estudo apontou mortalidade após o uso da proxalutamida foi 77% menor ao longo de 28 dias e redução de 91% da taxa de hospitalização em homens tratados com a proxalutamida.

Dados preliminares da pesquisa divulgados em março informam que 47% dos pacientes com covid-19 que tomaram placebo durante o estudo morreram, contra menos de 5% dos que tomaram a substância ativa. Os dados são tão espetaculares que tem levantado suspeitas de fraude. A própria informação do número de mortes em quem usou placebo levanta uma questão ética. Por que esperar tantas mortes sem interromper a pesquisa? Também tem uma questão técnica, pois a mortalidade de casos moderados no estudo estaria muito acima da média geral, o que também levanta suspeitas.

Flavio Cadegiani, o pesquisador responsável pelo estudo, nega as acusações e suspeitas e reclama da politização do debate, chamando de cegos os que não separam ciência de política e condenando os que recuam só (?) porque o presidente defendeu o medicamento.

Lembrando que o próprio Cadegiani foi defensor dos mais ativos do chamado tratamento precoce pelo kit-covid, comprovadamente sem eficácia. Nosso doutor inclusive é autor do estudo que “embasou” o aplicativo TrateCov, do governo federal, que indicava a cloroquina e outros, e que depois da CPI foi tirado do ar. Parece que o indignado pesquisador sabe o que é politizar ciência melhor que a maioria de seus colegas.

O fato é que um dia após o presidente propagandear o remédio experimental para câncer, sugerindo que poderia ser usado contra a Covid-19, a ANVISA autorizou o início de um novo estudo. Já vimos esse filme antes, o presidente genocida tira da cartola um novo medicamento, que ganha notoriedade instantânea e desproporcional, a rede de médicos bolsonarista passa a receitá-lo, aprova-se uma pesquisa para aferir a real eficácia que acaba sendo usada como uma espécie de avalizadora prévia, afinal, já estão pesquisando e se tem pesquisa deve ser boa, muitos vão argumentar, como ocorreu quando a Oxford resolveu estudar ivermectina.

Percebam que não estou prejulgando se o medicamento funciona ou não, apesar de ele já chegar envolto numa nuvem de desconfianças nada desprezível. O certo é que esse processo disparado pelo presidente costuma ter como resultado mais imediato e palpável o aumento do lucro de farmacêuticas e de atravessadores de todos os tipos, aí sim, com grande eficácia e com dados robustos e irrefutáveis, cientificamente, pelas ciências contábeis.

186 dias de campanha geral e 166 segunda dose ou dose única.

  • pessoas vacinadas ao menos uma dose: 90,026 milhões (42,51% da pop.)
  • imunizadas: 34,357 milhões (16,22% da pop.), sendo 3,316 milhões com dose única.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.