O desamparo é uma condição que transcende a impotência individual e se inscreve como uma experiência compartilhada da modernidade à pós-modernidade, refletindo a complexidade da ação política em tempos de radicalização.
O desamparo, como conceito filosófico e político, remete à impossibilidade de transformação por meio da ação e do discurso. Ele descreve a sensação de impotência quando palavras e gestos não atingem o outro, não se concretizam em mudanças e, portanto, não exercem o impacto esperado no tecido social. A experiência do desamparo remonta à modernidade, mas é na pós-modernidade (ou hipermodernidade, como alguns preferem) que ela se intensifica como uma experiência universal e profundamente enraizada nas condições de existência do ser humano contemporâneo.
Desde as origens da modernidade, o desamparo se fez presente, seja nas incertezas existenciais ou nas transformações radicais que a sociedade experimentou. Porém, na atualidade, essa condição se tornou mais visível e, de certa forma, mais insuportável. Em um contexto onde movimentos políticos extremistas ganham força, onde o fundamentalismo religioso se propaga e a internet se torna um espaço de pós-política, o desamparo se revela de maneira ainda mais pronunciada. As pessoas buscam respostas rápidas e certeiras, mas acabam se refugiando em narrativas simplistas que não oferecem soluções reais para os desafios globais.
A radicalização da experiência do desamparo não é apenas um fenômeno individual, mas coletivo. As novas formas de política virtualizada, representadas por comportamentos polarizados e distantes da efetiva construção de soluções, evidenciam como o desamparo tomou proporções estruturais. A internet, em vez de ser um espaço de democracia e debate, muitas vezes se transforma em uma plataforma de alienação política e social, contribuindo para a sensação de impotência e frustração.
O Maior Desafio Político de Todos os Tempos
Diante dessa realidade, o desafio político de nossa época é mais complexo do que nunca. Ele não se resume apenas à luta contra o desamparo, mas à necessidade urgente de resgatar a própria possibilidade de uma política verdadeira. Uma política que seja capaz de responder às inquietações do presente e que, ao mesmo tempo, reconstrua a confiança nas instituições e nas capacidades do coletivo. Esse desafio exige a criação de um espaço político que não apenas busque soluções para o outro, mas que, simultaneamente, nos permita reconstruir um sentido de solidariedade e de ação política coletiva.
A solidariedade, em sua forma mais genuína, é a chave para esse resgate. Não se trata de um sentimento de piedade ou de ajuda assistencialista, mas de um vínculo genuíno que reconhece a humanidade do outro e a nossa própria. A solidariedade, nesse sentido, torna-se a ferramenta para criar um espaço político novo, no qual a ação coletiva seja capaz de resgatar a esperança, a participação ativa e a capacidade de transformação. É por meio dessa solidariedade que podemos começar a reconstruir as bases de uma política que seja realmente capaz de fazer frente ao desamparo e de reverter o quadro de fragmentação e isolamento social.
A Necessidade de Resgatar o Sentido da Política
O resgate do sentido da política não passa apenas pela busca por soluções imediatas, mas pela reinvenção da própria política enquanto espaço de ação coletiva e transformação social. A crise do desamparo nos impõe a reflexão de que a política, em sua forma tradicional, está falida, mas que ainda é possível dar novos rumos ao engajamento político. A criação de um espaço político coletivo, onde a solidariedade e a ação mútua sejam os pilares, é o único caminho para superar o desamparo absoluto que ameaça dominar a experiência humana no contexto atual.