Refletir sobre a militância social e suas dinâmicas internas é essencial para promover um movimento inclusivo e acessível a todas as pessoas que enfrentam opressões. A militância deve ser para todos ou não será.
Marília Moschkovich, socióloga e doutora, trouxe à tona uma questão importante em relação à militância contra as opressões. Ela argumenta que o fim de qualquer movimento de resistência deve ser justamente a eliminação da opressão, ao ponto de o movimento se tornar desnecessário. A ideia é clara: um movimento que luta por liberdade e igualdade deve beneficiar todas as pessoas envolvidas nos sistemas de opressão, e não apenas uma parte. “Não dá para pensar um feminismo que quer incluir apenas as feministas no processo e no resultado da luta”, afirmou Moschkovich, ressaltando que a luta deve ser universal, para todas as pessoas, e não apenas para um grupo seleto de militantes.
Essa reflexão é particularmente relevante quando pensamos nas diferentes formas de militância que surgem com a intenção de combater a opressão, mas que, por vezes, acabam se tornando exclusivas e elitistas. A autora aponta um problema sério: alguns grupos militantes acabam se agrupando em nichos tão fechados que excluem aqueles que, teoricamente, deveriam ser aliados na luta por justiça e igualdade. Ela critica a ideia de que a militância se tornou um espaço para os “iguais”, onde é mais importante rotular e classificar tudo, seguindo uma régua própria de ideais, do que abrir espaço para discussões mais amplas.
O exemplo de uma mulher trans, branca e loira, que ocupou um cargo de liderança em um governo estadual de Minas Gerais, é citado por Moschkovich para ilustrar como certos grupos militantes excluem figuras importantes da luta. Mesmo ela tendo implantado políticas significativas para as travestis no sistema prisional, muitos dentro dessa militância, possivelmente, a desqualificariam como “não representativa”, simplesmente por se encaixar em um perfil físico que não corresponde ao estereótipo que esse nicho deseja propagar.
O que Moschkovich critica, de forma contundente, é o comportamento de uma militância que se autodenomina inclusiva, mas que, na prática, cria barreiras e regras rígidas sobre quem pode ou não ser parte desse movimento. Ao fazer isso, esses grupos não estão combatendo a opressão, mas sim criando um novo tipo de segregação interna. Isso, segundo ela, resulta em um movimento que, ao invés de promover a inclusão, se torna um espaço de exclusão, uma “seita” onde apenas aqueles que se encaixam perfeitamente nas exigências do grupo têm voz.
Em resposta a essa dinâmica, a autora defende a ideia de que a militância deve ser um espaço de flexibilidade, aberto a todas as pessoas dispostas a contribuir para a luta contra as opressões. As pessoas, segundo ela, são mutantes, em constante transformação, e é essa diversidade e a capacidade de adaptação que devem ser acolhidas, não excluídas. O conceito de “seleção natural” é utilizado aqui como uma metáfora para ilustrar que, assim como na evolução, o que é benéfico para o movimento deve ser aceito, mesmo que venham de lugares inesperados ou diferentes do que se considera tradicionalmente correto.
Em última análise, Moschkovich nos convida a refletir sobre a verdadeira essência da militância: se queremos realmente acabar com a opressão, a luta precisa ser inclusiva e acessível a todos, sem exceções ou exclusões.