O Dia Internacional de Combate às Drogas nos convida a refletir sobre os riscos da dependência, mas também sobre as percepções e julgamentos sociais que envolvem o uso de substâncias.
No Dia Internacional de Combate às Drogas, a sociedade é chamada a olhar de perto os riscos da dependência química, mas também a questionar como as substâncias são vistas de acordo com seu uso e contexto. Uma das reflexões que surge é sobre a maneira como o conceito de “droga” é frequentemente associado ao próprio usuário. Muitas vezes, uma substância consumida para fins recreativos é rotulada como “droga”, enquanto a mesma substância, se usada para fins médicos ou terapêuticos, pode ser considerada apenas um “remédio”. Porém, essa divisão entre “droga” e “medicamento” é, em muitos casos, arbitrária, visto que o princípio ativo de uma substância pode ser o mesmo, dependendo do seu contexto de uso.
Essa visão dualista reflete uma hierarquização entre diferentes formas de consumo. As substâncias que têm uma função no trabalho ou na saúde são socialmente aceitas ou até incentivadas, enquanto aquelas que são consumidas por motivos recreativos acabam sendo estigmatizadas. Esse julgamento está, em parte, ligado à valorização do trabalho e da produtividade, em detrimento da valorização da recreação e do prazer. De onde vem essa percepção de que o recreativo é, de alguma forma, inferior ao produtivo?
A resposta a essa questão parece residir na própria estrutura da sociedade. Em uma ordem social marcada pela heteronomia, ou seja, pela necessidade de cumprir regras e exigências externas que muitas vezes não coincidem com nossos desejos pessoais, os indivíduos são mais valorizados quando se anulam em prol de uma causa maior, como o trabalho ou o sofrimento. Esse fenômeno sugere que a sociedade tende a valorizar mais aqueles que se submetem a uma rotina opressiva ou dolorosa, em detrimento daqueles que buscam liberdade e prazer de forma mais espontânea.
Essa busca pela legitimidade, que muitas vezes passa pela negação do prazer e da diversão, cria um ciclo de opressão social. Ao valorizar mais o sofrimento ou a produtividade em detrimento da felicidade ou do lazer, a sociedade acaba criando uma ordem que, paradoxalmente, desvalorizaria as experiências mais humanas e, em muitos casos, essenciais para o equilíbrio mental e emocional. Essa dinâmica é reforçada por uma estrutura social que constantemente compara o sofrimento do outro como um meio de legitimar o próprio sofrimento.
No fim das contas, a questão das drogas não deve ser reduzida a um julgamento moral ou social simplista, mas sim entendida dentro de um contexto maior de como a sociedade trata suas próprias contradições, valores e relações de poder. Enquanto o debate sobre dependência e abuso de substâncias é legítimo, é importante também refletir sobre o que está por trás das ideias preconcebidas que moldam esse discurso. Em última instância, a forma como lidamos com o uso de substâncias está atrelada a uma questão mais profunda sobre a nossa visão da vida, do prazer e da liberdade dentro de uma ordem social que frequentemente privilegia a repressão e o sofrimento.