MARICONA BICHA LOKA

Zuza, era o nome dele. Bicha, bichona, bichérrima, com orgulho. Quando as pessoas gritavam pra ele na rua BICHONA ele mandava beijo e dava uma reboladinha.

Era nossa Geni. Zuza devia ter uns 45 anos quando eu era criança. Quando alguém pensava em VIADO era o Zuza que era lembrado. ZUZA inclusive era apelido para bullying no colégio entre os garotos.

Ele era o viado famoso da cidade do interior onde nasci. Uma cidade pequena e que guarda em si os preconceitos e a falta de respeito com a diferença como em todas as nossas outras cidades do país (e algumas do mundo).

O Zuza fazia faxina, ele era a faxineira ideal para trabalho pesado. Minha mãe chamava o Zuza pra limpar as nossas escadarias de pedra que precisavam da força ‘de um homem’ e ele encarava de frente a soda cáustica sem medo e sem a menor preocupação com a sua saúde.

Em resumo, o serviçal perfeito para as donas de casa. Ele aparecia por lá uma vez a cada 6 meses para fazer o serviço mais pesado. Neste dia os ‘homens da casa’ evitavam chegar cedo para não encontrar com Zuza, pra não ter que falar com ele, interagir, afinal ele era o ZUZA!

Meus vizinhos uma vez foram pegos dando tiros de chumbinho no Zuza enquanto ele lavava uma varanda de uma casa no bairro. Ele se abaixava e se levantava, tentando escapar do chumbinho como aqueles patos de parque de diversão.

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Ilustração da comunidade gay. Fonte: Banco de imagem

Quando acertavam ele gritava, quando erravam ele mostrava a língua e dava uma risada alta, debochado com uma rebolada arrematadora. Ninguém achava nada disso errado. É normal, afinal ele era uma maricona, ele não ligava, ele é assim, deixa ele, ele não tem família, de onde veio esse viado, daqui não foi, ele cuida da mãe, pode ser viado mas precisa ser assim?, deixa ele, bichona desse jeito, credo, como pode?, ele é um homem muito bom, ele não é homem.

Se algum moleque dissesse que era gay seus pais na hora iam pensar que o filho ia se ‘transformar no Zuza’, esse é um dos motivos que os gays no interior costumam ‘não existir’.

Afinal ninguém quer tomar tiro de chumbinho no meio do expediente ou na entrada da casa. Só os mais ousados. Só os afetados. Só as mariconas, bichas, bichonas, bichérrimas, aquelas travestis.

O mais maluco de me lembrar disso é que hoje eu penso no Zuza e tenho uma admiração monstra por ele. São pessoas como ele, que não seguraram sua natureza que abriram as portas para todo esse movimento que acontece em todo mundo.

Um movimento que dá luz às pessoas que existem, sempre existiram e sempre existirão, mas que os países, as cidades, os bairros, os nossos vizinhos, os nossos pais e alguns de nós mesmos não querem notar, querem apagar, querem que simplesmente não existam porque são diferentes e não sabem como lidar com elas.

Querem apagar, sim, apagar na bala, se necessário. Pensando nisso me arrependo de não ter ido pra casa mais cedo, de não ter dado oi pro Zuza, de não ter conversado com ele, servido um café, puxado assunto, saber de onde veio, quais seus sonhos, se ele precisava de alguma coisa, de ter dado um abraço. Ah, Zuza, eu devia ter feito isso.

Eu deveria ter dado um abraço apertado em você e ter dito: obrigado por existir e por ser quem você é do jeito que você é. Obrigado a todos os Zuzas por nos ensinarem mais sobre amor, tolerância, coragem e por ensinar a todos nós que pra ser ‘macho’ basta ter coragem e simplesmente ser. E na minha cidade não existe ninguém mais macho do que o Zuza foi.

Revelar homossexualidade pode acontecer mais de uma vez durante a vida –  Jornal da USP #jornaldausp
Todos contra o preconceito. Foto: Ig

E com tanto orgulho. Este agradecimento é por todos nós e junto dele nosso pedido de desculpas. Mando meu abraço a você e a todos os Zuzas, machos pra caralho! Que o tempo todo abrem as portas da igualdade dando chute na porta melhor do que qualquer Rambo que já tenha existido.

Hoje quem tem orgulho de vocês somos nós, todos nós com um pouco de humanidade e com algum coração. Parabéns. Zuza vive e nunca morrerá. Todos contra a homofobia
Ps. Ele tá vivo, gente. Foi só uma reflexão sobre este tema.

O orgulho LGBT pertence a essas mariconas, as bichas, bichérrimas, como dizem, que sempre foram alvo de muita vergonha alheia, mas vergonha mesmo mal sentiam, nem podiam se dar ao luxo de sentir.

Foram essas bichas que carregaram o mundo nas costas justamente por serem consideradas “demais” por este mundo. Não cabem nele. Certa vez li que “ser gay é preencher um ambiente”.

Tem viado que preenche uma cidade inteira. São esses o motivo do orgulho. Orgulho de um gigantismo que faz você não caber em lugar algum.

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