Para o pensamento do brasileiro médio, há uma divisão bem simples de legalidade. Há aqueles que podem sofrer violência e os que não podem, assim como há aqueles que podem cometer crimes de qualquer tipo e os que nem deveriam existir.
Se uma travesti, negra, pobre cometer infanticídio: ato hediondo. Se um general enfiar ratos na vagina de mulheres presas pela ditadura e obrigar seus filhos a ver, herói nacional.
Um é um caso isolado. Menos de 7% das mulheres transexuais e travestis sob cárcere estão presas por homicídio, uma porcentagem infinitamente menor cometeu estupro e uma ainda mais infinitesimal cometeu alguma violência contra crianças. Mas a hipótese de alguma delas ter feito isso é suficiente para reverter todo o processo humanizador de uma reportagem sobre abandono de travestis e mulheres transexuais nos presídios.
Já o outro é sistemático. O Estado brasileiro sob regime militar desapareceu criminosamente com o corpo de dezenas de brasileiros e torturou física e psicologicamente dezenas de crianças, sob ciência, engenharia e apoio dos generais no poder.
Qual o resultado? Tornar-se livro de cabeceira do presidente da república e contar com o complacente silêncio da população de bem.
Indignação seletiva é o nome, transfobia descarada, o fato. Caráter? Vocês não tem nenhum.