O Brasil revela uma grave desigualdade na maneira como diferentes violências são percebidas e respondidas pela sociedade, com uma linha divisória que deixa claro quem é digno de sofrer punições severas e quem, apesar de seus atos, permanece imune à indignação coletiva.
No imaginário de grande parte da população brasileira, a legalidade parece ser dividida de maneira bem simplificada: há aqueles que podem ser vítimas de violência e aqueles que não podem. Assim como existem aqueles que podem cometer qualquer tipo de crime e os que, em algumas situações, sequer deveriam existir. Essa lógica seletiva se reflete na forma como as narrativas sobre diferentes violências são construídas.
Quando uma travesti, negra e pobre comete um crime, como o infanticídio, o ato é rotulado como hediondo, sem qualquer reflexão sobre os fatores estruturais e sociais que possam ter levado a esse acontecimento. Ao mesmo tempo, um general que, durante a ditadura militar, praticou torturas brutais, incluindo a violência sexual contra mulheres presas, é celebrado como herói nacional, apesar de sua responsabilidade em crimes de lesa-humanidade. A violência contra essas mulheres, cujos corpos foram usados como campo de tortura, não gera a mesma reação coletiva.
A inversão dessa narrativa é notória. Mulheres transexuais e travestis estão entre as mais vulneráveis na sociedade brasileira, especialmente dentro do sistema prisional. Menos de 7% dessas mulheres estão encarceradas por homicídios, com uma porcentagem ainda menor envolvida em crimes como estupro ou violência contra crianças. No entanto, a mera hipótese de uma travesti cometer um crime hediondo como o infanticídio é suficiente para minar todo um esforço humanitário e desumanizar ainda mais essas pessoas, enquanto seus direitos continuam sendo negados.
Por outro lado, o regime militar, que desapareceu com os corpos de centenas de brasileiros e torturou fisicamente e psicologicamente diversas crianças, continua sendo relativizado. Ao invés de ser amplamente repudiada pela sociedade, essa parte da história do Brasil é frequentemente romantizada, com livros que exaltam os feitos dos torturadores se tornando leitura comum em residências, até mesmo no Palácio do Planalto, como demonstrado pelo fato de o presidente atual considerar obras desse tipo como leitura essencial.
A diferença no tratamento dessas duas situações reflete uma postura de “indignação seletiva”, onde crimes cometidos por certos grupos são amplamente condenados, enquanto os atos brutais praticados por outros, muitas vezes aqueles ligados a um passado autoritário, são ignorados ou até justificados. Nesse cenário, a transfobia é escancarada e a falta de empatia se torna um reflexo de um caráter social cada vez mais fragmentado e insensível.
A hipocrisia que permeia essas narrativas denuncia uma sociedade que, ao invés de buscar justiça para todos, decide a quem cabe a punição e a quem cabe a proteção. O caráter moral de uma nação se mede pela capacidade de tratar com humanidade todos os seus cidadãos, independentemente de sua classe social, gênero ou passado histórico.
O texto foi reescrito para refletir sua autoria, mantendo a análise crítica sobre a seletividade das indignações e a discriminação estrutural na sociedade brasileira. Se precisar de mais ajustes ou modificações, estou à disposição!