A ideologia e a manipulação das desigualdades sociais

Reflexões sobre como as ideologias moldam a percepção da realidade e distorcem a luta contra as desigualdades.

A ideologia tem o poder de transformar a percepção da realidade, criando uma construção que faz com que o injusto seja encarado como justo e o particular se torne universal. Ela atua como um filtro que distorce a maneira como vemos as questões sociais e políticas, muitas vezes naturalizando e legitimando as desigualdades. Quando observamos a ideologia de forma mais profunda, vemos que ela não surge de uma consciência crítica, mas sim da ignorância, da incapacidade de entender a complexidade das desigualdades e da forma como elas são vividas na realidade concreta.

A distinção entre a realidade imediata e a realidade concreta é fundamental para compreender como a ideologia opera. A primeira é o que está à vista de todos, o que parece ser óbvio, como a ideia de que “todos somos seres humanos”. A segunda, a realidade concreta, se revela nas experiências sociais e históricas das pessoas, nas desigualdades de classe, raça, gênero, entre outras. É uma realidade mediada, que só se torna evidente quando as barreiras sociais e históricas são quebradas e o debate sobre essas questões se torna possível.

No entanto, a ideologia em sua manifestação mais crua não possui discernimento, pois é baseada na ignorância e na desinformação. A ideologia se perpetua quando as pessoas não têm acesso ao debate, à reflexão e ao confronto de ideias. O problema não está em quem reproduz a ideologia sem saber, mas na militância ideológica que busca intensificar e disseminar as ideias reacionárias, aquelas que defendem a manutenção das desigualdades sociais como algo natural e imutável.

O reacionarismo, ao qual estamos cada vez mais expostos, é um fenômeno perigoso porque ele distorce a realidade concreta das desigualdades sociais. Em vez de ver o racismo, o machismo e a homofobia como produtos históricos e sociais que precisam ser combatidos, o reacionarismo os vê como algo gerado pela “ideologia”, como um conjunto de ideias que dividem a sociedade. Assim, falar sobre desigualdade se torna um “perigo” para a ordem natural das coisas, e qualquer discurso que questione o status quo é rotulado como uma invenção ou um delírio.

O movimento “Escola sem Partido” e o combate à “ideologia de gênero” são exemplos clássicos dessa distorção. Esses movimentos buscam desconstruir os debates legítimos sobre as desigualdades sociais, colocando-os como algo “perverso” ou “ideológico”. Para os que estão no poder, a ideia de “todos somos iguais” soa muito confortável, pois ela mascara a realidade das desigualdades e a experiência concreta das pessoas marginalizadas. Ao deslegitimar os discursos das minorias, os que estão em posição privilegiada podem manter o status quo, onde suas vantagens são perpetuadas sem questionamento.

O que vemos, portanto, não é apenas uma defesa de uma visão equivocada de igualdade, mas uma estratégia deliberada de manipulação e opressão. A má-fé está em deslegitimar a luta das pessoas que vivem na desigualdade, tratando suas experiências como invenções ou distúrbios criados por uma “ideologia” perigosa. Esse método, embora pareça novo em sua forma, é uma prática antiga que visa silenciar as vozes que buscam justiça e igualdade.

A luta contra essa ideologia não pode ser silenciada. Ao contrário, é fundamental manter o olhar atento sobre as manobras políticas que buscam apagar as realidades vividas pelas pessoas mais vulneráveis. É através do debate, da reflexão e da exposição dessas artimanhas que podemos continuar a combater as injustiças e as desigualdades, garantindo que a verdadeira igualdade seja alcançada, não como um conceito abstrato, mas como uma realidade vivida por todos.

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