Em meio à pior crise sanitária, o Brasil se prepara para sediar um evento esportivo que pode agravar ainda mais a situação da pandemia.
O anúncio de que o Brasil seria o novo anfitrião da Copa América gerou um turbilhão de discussões e críticas. A decisão, tomada em 31 de maio pela Conmebol, pegou muitos de surpresa. A Argentina e a Colômbia haviam inicialmente sido escolhidas como sede do torneio, mas a pandemia levou à desistência dos dois países. O Brasil foi consultado pela CBF, que, por sua vez, consultou o governo federal, e a resposta foi um sonoro “sim”. Em poucos dias, a competição foi confirmada para começar na sexta-feira, em meio a uma das piores crises sanitárias da história do país.
O cenário do Brasil em relação à Covid-19 é alarmante. Com mais de 469 mil mortes e a segunda maior taxa de mortalidade do mundo, o país ocupa a triste posição de um dos epicentros da pandemia global. Além disso, o ritmo lento da vacinação – com apenas 22,34% da população imunizada até o momento – torna ainda mais arriscada a realização de eventos com grande circulação de pessoas. No total, o Brasil representa cerca de 12% dos óbitos globais, com 2% da população mundial.
A escolha das cidades-sede, além de questionável, parece ser um reflexo da negligência diante da gravidade da situação. Cuiabá, Rio de Janeiro, Brasília e Goiânia foram confirmadas como sedes, todas com taxas de mortalidade acima da média nacional. As quatro cidades estão entre as 400 piores em relação à taxa de mortalidade, com Cuiabá sendo a pior capital, ocupando a 33ª posição entre os municípios mais afetados do país.
A justificativa de que outros campeonatos estão em andamento no Brasil não faz sentido diante do contexto. Argumentar que “já existe um grande número de eventos” é minimizar o impacto potencial de mais uma competição internacional no cenário de uma pandemia em curso. A chegada de 12 seleções, com deslocamentos internacionais e movimentação de aeroportos, pode gerar um efeito multiplicador do problema, aumentando a pressão sobre o sistema de saúde e contribuindo para a disseminação do vírus.
O evento não só se insere em um contexto crítico de saúde, como também parece ser uma decisão impulsionada por interesses políticos e econômicos, desconsiderando as evidências científicas. O Brasil, com seus números alarmantes, não deveria ser palco de um evento desse porte neste momento, especialmente quando as cidades escolhidas para sediá-lo estão entre as mais afetadas pela pandemia. A escolha revela um governo que, em grande parte, se mantém na lógica do negacionismo, ignorando os alertas de especialistas e permitindo que a pandemia siga seu curso devastador.
O risco de novas cepas do coronavírus chegando ao Brasil, especialmente com a movimentação de equipes e turistas de diversos países, é iminente. Esse evento pode se tornar um catalisador para um aumento ainda maior de infecções e mortes. Com a vacinação lenta e os cuidados minimizados, o Brasil parece estar, mais uma vez, agindo de forma irresponsável diante de uma crise global que exige cautela e planejamento estratégico.
Em um país onde a média de mortes diárias continua alarmante e a campanha de vacinação não avança de forma satisfatória, a realização de um torneio internacional não é apenas uma decisão controversa, mas perigosa. O Brasil, que já figura entre os países com o maior número de mortes por Covid-19, deveria repensar a sua participação em eventos internacionais neste momento tão crítico. Afinal, em uma pandemia, é mais sensato salvar vidas do que ganhar um torneio.