Uma reflexão sobre a atuação da médica infectologista durante a pandemia e suas escolhas em um governo controverso.
Luana Araújo, médica infectologista, se tornou uma figura de destaque na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a gestão do governo federal na pandemia da Covid-19, que já ceifou mais de 465 mil vidas no Brasil. Sua eloquência e postura firme contrária ao negacionismo do governo, em especial a rejeição da prescrição de cloroquina e a promoção da imunização de rebanho, foram suficientes para conquistarem o apoio da esquerda, que rapidamente a elevou ao status de heroína nacional. A recepção foi entusiástica, com elogios não apenas à sua atuação, mas também à sua imagem pessoal, com figuras públicas como Fernando Gabeira dedicando até mesmo poemas à médica.
No entanto, o que inicialmente parecia ser uma postura crítica e corajosa diante do governo Bolsonaro escondeu uma trajetória política cheia de contradições. O questionamento crucial, que poucos se ativeram a fazer, foi: por que Luana Araújo, ao perceber a gravidade da pandemia e a irresponsabilidade do governo, continuou integrando uma gestão que ela mesma qualificou como “delirante” e acusou de colocar o país na “vanguarda da estupidez”?
A médica teve sua entrada no governo federal, provavelmente, graças ao seu alinhamento com as políticas bolsonaristas. Em 2019, ela chegou a apoiar figuras como Janaína Paschoal e Joice Hasselmann, expressando solidariedade ao governo com declarações elogiosas à primeira-dama Michelle Bolsonaro. Mesmo após o governo implementar cortes nos programas de assistência às pessoas com deficiência, Luana não deixou de exaltar atitudes pontuais do governo.
Sua postura condescendente com as falhas na gestão da pandemia, especialmente em relação à reabertura das escolas, gerou críticas ainda mais severas. Em fevereiro de 2021, ela assinou uma carta aberta defendendo a reabertura imediata das escolas, em pleno pico da pandemia, sem considerar adequadamente os riscos envolvidos para professores e funcionários. A negligência em relação à proteção da educação, em um momento de crescimento das mortes e infecções, acabou resultando em consequências devastadoras para os profissionais da área, como evidenciado pelos números alarmantes de infecção no estado de São Paulo.
Quando foi convidada para assumir a Secretaria de Enfrentamento da Covid-19, Luana se viu diante de uma encruzilhada moral. Aceitar o cargo, em meio ao caos pandêmico e à postura equivocada do governo, fez com que ela se tornasse cúmplice de uma gestão que negligenciava vidas em nome de interesses econômicos. Sua saída precoce do cargo, antes mesmo de tomar posse, foi um reflexo de sua tentativa de alterar as direções erráticas do governo, mas também de uma autossabotagem de sua própria credibilidade. O questionamento sobre as motivações para a colaboração com um governo genocida permanece.
Em seu depoimento à CPI, Luana alegou que acreditava ser possível modificar a gestão do governo Bolsonaro, o que revelou um erro de avaliação, ou talvez um pragmatismo excessivo. A esquerda, sedenta por figuras heroicas que pudessem salvar o país da tragédia, aplaudiu de pé, sem questionar os pontos frágeis dessa narrativa. A grande questão, no entanto, é por que uma profissional da saúde, com vasto conhecimento da realidade sanitária, optou por ser uma peça-chave em um governo que negligenciava as evidências científicas em prol de uma agenda política destrutiva.
Luana Araújo pode ter sido uma voz sensata e articulada, mas suas escolhas políticas e seu apoio a uma gestão tão desastrosa comprometem o seu legado. Mais do que uma heroína, ela se apresenta como uma figura ambígua, que passou a lutar contra o próprio sistema ao qual, em muitos momentos, ela mesma serviu.