Reflexões sobre a persistência das violações de direitos de populações em situação de asilamento, especialmente durante a pandemia de Covid-19.
No contexto da luta antimanicomial, é crucial abordar a situação das pessoas em asilamento forçado, que muitas vezes se veem presas sem condenação judicial, em desacordo com a Lei 10.210/2001 e com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é signatário. Durante a pandemia da Covid-19, um cenário marcado por um vírus altamente transmissível, o debate sobre os cuidados com essas populações se intensificou, trazendo à tona questões sobre a privação de liberdade e as condições de vulnerabilidade.
Existem duas vertentes principais nesse debate. A primeira envolve protocolos de cuidados sanitários, com o objetivo de garantir a proteção das pessoas em situação de asilamento, enquanto a segunda discute a necessidade de esforços para a desinstitucionalização, colocando a proteção à vida como prioridade. No caso das prisões, por exemplo, seria possível adotar medidas como a redução de penas, penas alternativas e prisão domiciliar, para garantir que essas pessoas não sejam tratadas como sentenciadas à morte. O Estado, ao ter sob sua custódia essas populações, tem a obrigação de garantir a vida, algo que fica claro na imagem de um prédio prestes a ruir, cuja obrigação do poder público é evacuar.
A população idosa, particularmente confinada em asilos, foi outra que sofreu duplamente durante a pandemia. Além de ser mais suscetível ao vírus devido à maior taxa de mortalidade, muitos idosos estavam em instituições que não reportavam casos de Covid-19, o que levanta sérias dúvidas sobre a veracidade dos dados e a forma como essas instituições estavam lidando com a pandemia. A falta de informações precisas e confiáveis sobre a população de Instituições de Longa Permanência (ILPs) também tem sido um fator preocupante, destacando a falta de transparência nesse setor.
As condições em manicômios e nas chamadas Comunidades Terapêuticas (CTs), muitas vezes camufladas como locais de acolhimento, são igualmente alarmantes. A portaria 340/30, de março de 2020, do Ministério da Cidadania, que deveria regulamentar a proteção da saúde mental durante a pandemia, manteve o “acolhimento” como regra, sem garantir de fato a segurança e o bem-estar dos internos. Ao descrever o atendimento a pacientes com Covid-19, a portaria foi omissa quanto à quarentena de outros internos e profissionais, deixando em evidência uma política pública que apenas busca manter o status quo e não promover uma real mudança.
A situação de falta de protocolos adequados nos manicômios e nas CTs foi investigada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que denunciou a morte de pacientes e trabalhadores pela Covid-19, além de práticas de encobrimento de casos. Este tipo de negligência e a resistência à desinstitucionalização revelam uma falha do Estado em garantir os direitos dessas pessoas, colocando-as em uma condição de privação de liberdade que contraria a legislação vigente, que assegura o cuidado e tratamento em liberdade.
A pandemia expôs ainda mais a urgência da desinstitucionalização, e os recursos destinados ao combate à Covid-19 poderiam ter sido usados para promover alternativas de cuidado, como as residências terapêuticas. No entanto, nenhuma ação concreta foi tomada nesse sentido, evidenciando a falta de compromisso com os direitos humanos.
O impacto das políticas de asilamento forçado durante a pandemia representa uma violação direta dos direitos das pessoas com sofrimento psíquico, confirmando que as instituições de longa permanência são agressões aos direitos humanos, que se tornaram ainda mais letais no contexto da pandemia. Os manicômios, sob qualquer forma, devem ser abolidos, e a luta por uma sociedade mais justa e inclusiva continua.
Os dados sobre a pandemia são alarmantes, tanto no Brasil quanto no mundo, com o aumento das mortes e casos confirmados. A vacinação, embora avançando lentamente, ainda não conseguiu frear a propagação do vírus, deixando a população mais vulnerável e expondo as falhas do sistema de saúde, especialmente no que diz respeito à proteção dos mais marginalizados.
Em memória das vítimas da pandemia, é imperativo lembrar: Manicômios Nunca Mais.