Manicômio é morte, na pandemia, mais ainda

No dia da luta antimanicomial, retomo aqui a discussão das pessoas em situação de asilamento forçado, presas sem pena, ao arrepio da lei 10.210/2001 e da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual o Brasil é signatário.

Em meio à pandemia de uma doença da gravidade da Covid-19, cujo agente patógeno é o novo coronavírus, rebatizado de Sars-CoV-2, um vírus facilmente transmissível, intensificou-se no mundo todo o debate sobre os cuidados com populações em situação de asilamento.

O debate se dava em dois sentidos, um deles dizia respeito à protocolos de cuidados sanitários que garantissem a proteção das pessoas e em outra linha discutia-se a necessidade de promover esforços de desinstitucionalização priorizando a proteção à vida.

Entre essas populações está inclusive a carcerária em que se poderia fazer o esforço de redução de penas, penas alternativas, prisão domiciliar e outras formas, baseado no fato social inequívoco que essas pessoas não foram condenadas à morte, e assim, o estado deve produzir meios eficazes de proteção à vida, sob pena de ser responsabilizado. A imagem que costumo usar é a de que se um prédio está para ruir, a obrigação é de remover as pessoas.

Outra população extremamente atingida, eu diria duplamente, é a idosa, confinada em asilos, portanto, mais suscetível à infecção e, ao mesmo tempo, especialmente vulnerável à pandemia, afetada pela maior taxa de mortalidade, a ponto de inicialmente se ter divulgado (erroneamente) que a Covid-19 seria uma doença da terceira idade.

Os dados no Brasil são bastante imprecisos, as estatísticas apontam a faixa etária das vítimas, mas não se eram moradoras em ILPs (instituições de longa permanência). Ficou famoso o caso da cidade do Rio de Janeiro em que, com 4 meses de pandemia, 122 ILPs não tinham notificado nenhum caso de Covid-19. Algo absolutamente impossível. Também não há dados confiáveis sobre população carcerária.

No caso dos manicômios e das autodenominadas Comunidades Terapêuticas (no dia 18 de maio é imperativo dizer que não são nem comunidades e muito menos terapêuticas, e sim uma forma (mal) disfarçada de manicômio) a situação também é grave.

Quanto às CTs, o governo federal, por intermédio da portaria 340/30 de março de 2020, do Ministério da Cidadania, escolheu manter o “acolhimento”(eufemismo para internação) como regra e fazendo considerações vagas e genéricas no que se refere a procedimentos e condições para evitar os contágios.

Chama a atenção formulações da portaria como a que afirma que, no caso um interno ter diagnóstico de Covid-19, deverá ser encaminhado a rede de saúde e terá garantida sua vaga quando da alta. Inacreditável sincericídio, pois nada falam de quarentena dos demais usuários e profissionais. Mas falam em manter em quarentena novos internos desde que a unidade tenha condições adequadas, sem dizer quais seriam tais condições.

É, na verdade, um documento que, à guisa de dar resposta aos cuidados necessários quanto à pandemia, somente regulamenta a manutenção do funcionamento, garantindo regras mínimas, protocolares, para que tudo siga como dantes.

Caso análogo são os hospitais psiquiátricos que, em muitos casos (denúncias não faltam), não promoveram nem protocolos garantidores da segurança sanitária de pacientes e profissionais e nem buscaram implementar processos de desinstitucionalização e encaminhar as pessoas para a rede substitutiva, prioritariamente as residências terapêuticas.

Sobre esse tema, o CNDH – Conselho Nacional dos Direitos Humanos fez uma missão em conjunto com o Conselho de direitos Humanos do Rio Grande do Sul, para apurar situação de violações em dois manicômios da Grande Porto Alegre, em que houve mortes de pacientes e trabalhadores por Covid-19, sem que tenham sido tomadas medidas de cuidado adequadas e, pior ainda, com tentativa de acobertamento dos casos, prática infelizmente comum que se constitui numa das marcas deste tipo de instituição definida por Irving Goffman como instituições totais.

O inescapável dessa situação que aflige usuários da saúde mental é que se encontram em condição de privação de liberdade ao arrepio da lei da reforma e da “convenção” que garantem que a atenção e o cuidado devem ser em liberdade e que não há como se falar em tratamento que não seja voluntário.

As vítimas da pandemia de Covid-19, nos casos de CTs e manicômios, são certamente vítimas de violação de direitos humanos. Dizendo assim, afirmo que estado brasileiro falhou na proteção de pessoas que estavam sobre sua custódia e errou em mantê-las em situação asilar, quando a lei e a constituição garantem que o cuidado tem que ser feito em liberdade, no território e em base comunitária.

A pandemia apenas exacerba a urgência e poderia ter sido uma oportunidade se, por exemplo, parte dos fundos do combate à pandeia fossem destinados ao custeio de processos de desinstitucionalização. Mas nada se fez nesse rumo.

Não podemos nos esquecer que todas as formas de manicômio são agressões aos direitos humanos, e na pandemia, são ainda mais mortais. Pela memória de tantas vítimas: Manicômios Nunca Mais.

Os dados apontam crescimento da média móvel de mortes pelo terceiro dia consecutivo com aumento também da média móvel de casos. Com vacinação patinando, há perspectiva de novo pico.

NO BRASIL

Registro de mortes hoje: 2.517

Total de mortes: 439.379

Média móvel de mortes nos últimos 7 dias: 1.953

Casos confirmados em 24 horas: 74.379

Casos acumulados na pandemia: 15.735.485

Média móvel de novos casos nos últimos 7 dias: 64.348

Casos ativos: 1,376 milhão

Em 122 dias de campanha, pessoas vacinadas: 39,900 milhões (18,84% da pop.)

Em segunda dose, 103 dias: 19,715 milhões de imunizados (9,31% da pop.)

NO MUNDO

Casos: 165,4 milhões

Óbitos: 3.424.900

1º – E U A: 601,3 mil

2º – Brasil: 439,4 mil

3º – Índia: 283,2 mil

4º – México: 220,5 mil

5º – Reino Unido: 127,7 mil

6º – Itália: 124,5 mil

7º – Rússia: 116,6 mil

Dados JHU (Johns Hopkins University).

É o que registra o diário de bordo.

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