A LGBTfobia dentro da própria comunidade: A desconstrução que falta

Reflexões sobre a persistente discriminação e a difícil jornada de autoaceitação entre as pessoas LGBT.

A luta contra a LGBTfobia é, em muitos aspectos, uma batalha interna dentro da própria comunidade. Embora a sociedade, em grande parte, seja responsável por criar um ambiente de marginalização e violência, é importante reconhecer que, frequentemente, a própria população LGBT se torna perpetuadora de comportamentos discriminatórios. A estrutura social normativa impõe a muitas pessoas LGBT a necessidade de se moldar ao que a sociedade espera, criando um impulso excludente que é internalizado e refletido por elas mesmas, tanto no Brasil quanto no resto do mundo.

Descobrir-se LGBT não é sinônimo de se livrar da LGBTfobia. A sociedade não apenas ensina essas pessoas a se odiarem, mas também as leva a acreditar que sua identidade é um problema a ser corrigido. A desconstrução dessa internalização é um processo contínuo e muitas vezes incompleto. O ciclo de autoaceitação pode ser desafiador e raramente é realizado de forma saudável ou plena, criando um ambiente de constante luta interna.

Na história do movimento LGBT, a desunião sempre foi predominante. Enquanto alguns se dedicam ativamente à luta pelos direitos da comunidade, outros se mantêm à margem, praticando a exclusão e a opressão dentro do próprio movimento. Em muitas ocasiões, a discriminação é mais sentida entre os próprios LGBT do que de fora da comunidade. Esse fenômeno é evidenciado, por exemplo, na falta de engajamento significativo da população LGBT em campanhas cruciais, como as relacionadas à epidemia de HIV. Enquanto alguns lutam por políticas públicas, outros não demonstram solidariedade ou apoio, comprometendo as chances de avanço no movimento.

Pessoas LGBT públicas também frequentemente são alvo de discriminação dentro da própria comunidade. Figuras como Ney Matogrosso, Clodovil, David Brazil, Evandro Santo, Jean Wyllis e Cazuza foram alvo de críticas e rejeição, sendo vistos como representações negativas do que “não se deve ser” ou o que “não se deve fazer” enquanto gay. Isso evidencia o quanto a internalização da LGBTfobia é forte dentro da própria comunidade. A frase “Sou gay, mas não sou como aquele cara” reflete essa tentativa constante de desassociar-se de figuras que não correspondem ao padrão de aceitação social, mesmo dentro do movimento LGBT.

Além disso, muitos gays tentam compensar sua condição por meio de comportamentos que buscam aprovação. Se esforçam para ser mais bonitos, mais inteligentes, mais bem-sucedidos, mais éticos e até mais engraçados, tudo com o objetivo de evitar o estigma da sua sexualidade. Isso se torna um mecanismo de defesa, mas também uma forma de somatização, gerando altas taxas de ansiedade e depressão. A pressão para ser “aceito” leva à criação de uma identidade falsa e à sobrecarga emocional.

Recentemente, algumas pessoas da comunidade LGBT têm se envolvido em comportamentos que revelam um retorno à LGBTfobia internalizada. O episódio de “brincadeiras” de homofobia, como a zombaria sobre agressões físicas e a solicitação de intervenção de figuras políticas com histórico de atitudes homofóbicas, serve como um exemplo claro desse fenômeno. Esses comentários não representam uma descontração ou aceitação de sua própria sexualidade, mas sim um reflexo de uma rejeição profunda daquilo que é considerado “fora do padrão”. Eles ilustram um ato de autocorreção, onde as pessoas LGBT sentem que, para serem aceitas dentro da comunidade, devem alinhar-se a um padrão de comportamento e aparência que é, muitas vezes, excludente.

Este tipo de atitude não apenas perpetua a discriminação, mas também impede que o movimento LGBT avance de maneira harmônica e unificada. O movimento, ao invés de ser um espaço de apoio e aceitação, torna-se mais um reflexo da luta interna de seus membros, cada vez mais distante de uma desconstrução verdadeira e profunda. Esse comportamento revela como a própria comunidade LGBT ainda está longe de alcançar a harmonia e a aceitação plena, não apenas para os outros, mas, mais importante, para si mesma.

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