Quem tem cloroquina, tem medo

A cloroquina tem sido uma espécie de universal simbólico para o negacionismo bolsonarista. Está onipresente desde o início da pandemia, quando apareceram estudos chineses e um estudo francês apontando resultados promissores. Um dos “resultados” então muito divulgados eram descritos mais ou menos assim: “a hidroxicloroquina pode inibir eficientemente a infecção por SARS-CoV-2 in vitro (….) prevemos que o medicamento tenha um bom potencial para combater a doença. Esta possibilidade aguarda confirmação por ensaios clínicos”.

Atente para o termo in vitro, que significa a contaminação de uma cultura de células pelo vírus e a medição de sua reprodução na presença de determinado fármaco. Acontece que milhares de testes deste tipo são feitos com resultados muito semelhantes, é o primeiro e mais básico procedimento antes de usar cobaias animais. Ou seja, resultados “promissores” são mais a regra do que exceção.

Por isso se fala em confirmação por ensaios clínicos, mas vejam, ensaios randomizados com grupo controle que não usa o medicamento (placebo). Esses ensaios foram feitos nos meses subsequentes, o que acabou gerando um grande consenso na comunidade científica da ineficácia do fármaco e a OMS, que nunca tinha recomendado, a partir de julho passou explicitamente a desaconselhar o uso.

Destino semelhante teve a Ivermectina e o Annita (ambos vermífugos), esse último anunciado com pompa pelo Marcos Pontes com os mesmos 94% de eficácia in vitro. Mas tem um problema extra e muito grave. Essas drogas não são somente inócuas, mas provocam efeitos colaterais adversos severos. Muitos desses efeitos inclusive previstos na bula e que são potencializados pela saúde debilitada de quem tem Covid-19.

Mesmo com tudo isso o Ministério da Saúde manteve a orientação de uso de cloroquina em casos leves ou no quadro inicial da doença (tratamento precoce). Orientação constou no site do ministério desde maio do ano passado até o dia 22 de abril, quando foi apagado o documento, em provável resposta à CPI da pandemia instalada pelo Senado. Quem tem cloroquina, tem medo.

Apesar do documento citar casos leves, não foi o que aconteceu em muitas situações. São pródigos os relatos de usos muito além, inclusive o escandaloso método de nebulização com o grotesco procedimento de macerar comprimidos e diluir em água, o que fez com que os pacientes inalassem farinha e talco industrial presentes na fórmula do excipiente. Algo que me fez lembrar das experiências falsamente médicas do nazismo.

O Ministério da Saúde diz que exigia e profissionais envolvidos alegam que tiveram o consentimento livre e esclarecido. Bobagem, primeiro me pergunto se o esclarecimento foi feito contando que o consenso científico é pelo não uso, depois, se há consenso negativo, por que cargas d’água se está oferecendo, por fim, se é um tratamento experimental, caso da nebulização, não é consentimento, é pesquisa com humanos que teria que ser aprovada por um conselho de ética e com autorização do CONEP.

De um lado o presidente, desde o início de março do ano passado defendendo publicamente, a ponto de já em 21/03/2020 ter determinado que o exército (seus laboratórios) fabricassem a droga, ordem que cumpriram fabricando milhões de comprimidos. De outro, setores da classe médica francamente bolsonaristas dispostos a arriscar o diploma e a vida das pessoas, mas acobertados pela posição absurda do CFM que resolveu defender que cada médico tem autonomia para escolher o tratamento, mesmo que fosse ao arrepio do conhecimento científico.

Sabemos que a doença desenvolve formas leves na maioria dos infectados, agrava num número menor e mata uma minoria (algo entre 2 e 4%). Receitar cloroquina para muita gente acaba por criar a ilusão de que o medicamento é bom pela associação falsa de causa e efeito. Se recebo um medicamento e melhoro, a tendência é atribuir ao efeito do medicamento.

O problema é que quando o medicamento foi inócuo ou mesmo fez mal, sempre é possível dizer que a doença é grave e isso é que levou à morte. Interessante observar que esse comportamento do Ministério da Saúde contribuiu para gerar milhões de defensores da cloroquina, que o fazem a partir de sua experiência, mas interpretada de forma distorcida.

Por fim, tem sim disputas ideológicas e simbólicas em curso no tema cloroquina, mas movimentou-se muito recurso financeiro também. Tem gente lucrando e se alguém quer saber mais coisas, siga o dinheiro.

Hoje são 110 consecutivos dias com média móvel de mortes acima de 1 mil e 55 dias acima de 2 mil. Segue a tendência de queda na média móvel de mortes, mas com discreta tendência de aumento da média móvel de novos casos. O total de casos ativos segue muito alto. Observa-se o efeito da vacinação(ainda que lenta) nos óbitos, mas os casos parecem refletir a ausência de medidas de isolamento e de cuidados com aglomeração, o que posterga os efeitos da pandemia.

 NO BRASIL
Registro de mortes hoje: 1.018
Total de mortes: 423.436
Média móvel de mortes nos últimos 7 dias: 2.087
Casos confirmados em 24 horas: 31.811
Casos acumulados na pandemia: 15.214.030
Média móvel de novos casos nos últimos 7 dias: 60.371
Casos ativos: 1,317 milhão
Em (*) 114 dias de campanha, pessoas vacinadas: 35,920 milhões (16,96% da pop.)
Em segunda dose, 95 dias: 18,111 milhões de imunizados (8,55% da pop.)

 NO MUNDO
Casos: 160,2 milhões
Óbitos: 3.324.200
1º – E U A: 596,2 mil
2º – Brasil: 423,4 mil
3º – Índia: 250 mil
4º – México: 219 mil
5º – Reino Unido: 127,9 mil
6º – Itália: 123 mil
7º – Rússia: 113,6 mil
Dados JHU (Johns Hopkins University).

É o que registra o diário de bordo.

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