Reflexões sobre o futuro da memória da pandemia e a luta por justiça para as vítimas da COVID-19
A pandemia da COVID-19 tem deixado um rastro de dor e perdas irreparáveis no Brasil, e o número de vítimas continua a crescer de forma alarmante. São mais de cem dias com a média de mortes diárias acima de mil, e um total de 191.394 pessoas que faleceram apenas nesse período. O Brasil já contabiliza 425.711 mortes em 410 dias de pandemia, com a média diária de óbitos se mantendo em níveis assustadores. Esses números, que impressionam pela magnitude, representam apenas uma parte da realidade de sofrimento e devastação que muitas famílias enfrentaram e ainda enfrentam. Nesse cenário, surge uma iniciativa importante para garantir que as vítimas da pandemia não sejam esquecidas: a criação da Associação Nacional em Apoio e Defesa das Vítimas da Covid-19 – Vida e Justiça.
Fui convidado para atuar na área de MEMÓRIA da associação, um convite que recebi com grande responsabilidade e que considerei como uma convocação para atuar em um tema que venho abordando desde o início da pandemia. Em meu diário de bordo, já expressei a necessidade de uma comissão da verdade para lidar com o que estamos vivenciando. A verdade, na visão de quem propõe essa comissão, deve se alicerçar em três pilares fundamentais: responsabilização, restauração e direito à memória. Este é o trabalho que busco fazer dentro da associação, ajudando a construir uma memória coletiva sobre o que ocorreu durante a pandemia.
O desafio é imenso, principalmente porque a máquina bolsonarista tem se empenhado, desde o início, em criar mentiras, espalhar fake news e distorcer dados e interpretações da pandemia para criar uma confusão que, ao longo do tempo, pode dominar a narrativa e as memórias sobre esse período. Mesmo com a previsão de CPIs, pesquisas, livros e documentários, os quais são bem-vindos e essenciais, a disputa pela memória vai além das grandes produções. Ela também se dá no nível local, nas pequenas ações de acolhimento, nos processos de construção de memória coletiva em grupos de base. Sem isso, corremos o risco de permitir que se instale uma visão fatalista da pandemia, como se fosse algo inevitável, natural e fora de nosso controle.
Na verdade, o que aconteceu no Brasil foi a construção de um projeto ideológico, baseado na imunidade de rebanho, que facilitou a propagação do vírus e levou a um número de mortes muito maior do que o necessário. O governo federal, sob a liderança de Bolsonaro, ao tratar a pandemia com desdém e ao ignorar as orientações científicas, foi responsável por uma política de facilitação da circulação do vírus. As recentes estatísticas, com o número de casos ativos e novos casos em ascensão, mostram que a pandemia segue fora de controle, enquanto o ritmo da vacinação continua lento. O Brasil já tem mais de 15 milhões de casos confirmados e mais de 400 mil mortes, com uma taxa de vacinação ainda muito aquém do necessário para garantir a proteção da população.
O processo de responsabilização pelas mortes deve ser um dos principais focos dessa luta pela memória. Não podemos permitir que o legado de desinformação e omissão do governo seja naturalizado. O movimento de base, a criação de memória coletiva e o trabalho de acolhimento a todas as vítimas da pandemia são fundamentais para que a história não se repita e para que as futuras gerações saibam exatamente o que aconteceu no Brasil durante esses anos de crise sanitária.
A luta continua, e o trabalho da Associação Vida e Justiça será fundamental para garantir que a memória das vítimas seja preservada e que as responsabilidades sejam cobradas. O direito à memória é um direito fundamental, não apenas para as vítimas, mas para toda a sociedade que precisa aprender com os erros do passado para evitar que tragédias como esta se repitam no futuro.