A sociedade e sua cultura contemporânea

Lendo Viveiro de Castro, vi que os povos indígenas, numa observação muito interessante, não respondiam à questão “por que vocês fazem isso? (reclusão, lutas, escarificações, ritual de vômito etc)” com o esperado “sempre foi assim, é nosso costume”.

Eles respondiam usando mitos, mas não para explicar a origem, mas para explicar seus efeitos, “foi Lua que ensinou a não comer peixe na gestação porque assim a barriga não incha e o bebê nasce”. O mito para eles não é uma idealização do passado, que por uma sucessão de eventos cai no hoje.

O mito é uma partição ontológica entre os arquétipos originais e o existente, como se o passado fosse de fato a atualidade. A rigor, não se trata nem de passado. Os mitos na cosmologia indígena representam uma contra-emanação dos eventos atuais sob a forma de protótipos ideais.

O encontro das águas do Rio negro com o Rio Solimões, tornando o imenso gigantesco Amazonas.

O equivalente dessa estrutura ideal na história dos brancos ocidentais, a despeito do que se poderia imaginar ser Homero e os mitos gregos, é na verdade Platão e seu mundo das ideias, uma categoria pós-mítica, capaz de abstrair os eventos da realidade em protótipos ideais que não apenas explicam a realidade e traduzem uma conduta, mas permitem a separação dos elementos da realidade para serem pensados em si mesmos.

Não há muita diferença entre o Sol e suas várias categorias para os ameríndios e o Ser para a cultura ocidental. A diferença é que Sol não é pensado enquanto sol, tampouco como metáfora, mas enquanto signo indireto de pensamento dos objetos com os quais se relaciona no mito.

E embora possamos entender do ponto de vista científico ocidental a fragilidade de certas relações diretas de causa e efeito trazidas por esses mitos, ao menos sob seus signos traduzidos para nossa linguagem, ao final percebemos que são formas de significar correlações trazidas pela experiência prática, em constante aperfeiçoamento.

É mais ou menos esse o sentido da “inconstância da alma selvagem” defendida por Viveiro de Castro. A despeito de serem chamados de “povos tradicionais”, são na verdade povos muito pouco apegados ao passado, e portanto não-tradicionais. Eles se reiventam a cada fim de mundo que se impõe sobre suas culturas.

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