Em busca da liberdade

Hoje me vi num aperto. Travado para apresentar um tema de filosofia que me propuseram, para alguns estudantes. O tema era o etéreo conceito de “banalidade do mal” dos escritos de Hannah Arendt, tentando tornar um pensamento abstrato, ampliador e questionador palpável para as medíocres provas do vestibular que muitos estudantes vão se preparar durante o ano de 2021.

Manipulação de Guerra e Paz. Foto: Banco de imagens

Mas em meio ao discurso uma dúvida me acudiu e remoeu. Apesar de ignorá-la em prol da didática, era impossível, como um impulso do pensamento, não questioná-la frente aos ouvintes. Por que a política transita tanto entre a busca pela liberdade e o aprisionamento? Qual a fonte dessa contradição? E com isso a aula de filosofia finalmente pode adquirir forma concreta para mim.


O pensamento é o diálogo do indivíduo consigo mesmo. A política, por sua vez, é o diálogo do indivíduo com a sociedade, de maneira a efetuar desejos dentro da convivência com o outro. É a existência desse outro que faz minhas vontades precisarem ser intermediadas. O outro é o primeiro limite da minha existência enquanto força vital e pulsante.

Nesse sentido, poderíamos pensar que o verdadeiro estado de liberdade requer a eliminação desse outro, pois, somente em solidão o ser humano torna-se livre para executar essas vontades. Sem o outro não há mais moral, opiniões ou vontades antagônicas; há apenas o eu e o ser em absoluto.

Entretanto, o erro desse pensamento é crer que há algum humano real em solidão eterna, pois, um ser que nasce e morre em solidão não se desenvolve sequer em humano. É justamente o outro que suscita a linguagem como necessidade para resolver o constante e perpétuo atrito das existências.

A única resolução para os principais problemas dessa convivência é otimizar a comunicação, emitindo esses desejos e percepções da necessidade. Além disso, é por meio da linguagem que eu posso criar a simples capacidade de pensar e, portanto, de inibir meus instintos para novamente permitir a convivência.

E o que é a educação, em seu sentido mais genérico (educare = formar), senão a suplantação dos instintos? E mesmo Kant já estabelecia a educação como a origem da humanidade nos escritos de “A Religião dentro dos limites da simples razão”. Ainda nisso, para Freud a educação pode ser o desenvolvimento do superego para controlar o id. Não importa muito.

O fato é: considerando essa relação essencial para a existência do ser como humano, necessariamente ser um humano é estar em constante estado de cerceamento. Um ser sem o outro não é humano, ao mesmo tempo em que apenas um ser sem o outro pode ser livre. A dialética do pensamento “sine qua non” nos faz notar o eterno conflito e aprisionamento que é o simples existir como homem.

E a política surge como a busca pelo alívio dessa condição, em que o conceito de liberdade deixa de ser absoluto e passa a ser mensurável. A política é a busca por maior liberdade no convívio em sociedade, em que esse horizonte intangível pelo próprio status humano é o que move o homem no decorrer da História.

Ansiar pela retomada e pela reconciliação com seu estado de liberdade anterior ou “de natureza”, como já dizia Rousseau, é o verdadeiro e eterno motor do homem, o qual acaba transitando entre eliminar o outro ou otimizar o convívio para se sentir, enfim, um pouco mais livre.

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