Em um exercício filosófico de reflexão, a política se apresenta como uma busca pela liberdade, ao mesmo tempo que se torna um campo de constante aprisionamento, marcado pela interação humana e os limites impostos pela convivência com o outro.

Hoje, ao me ver diante de um tema filosófico abstrato e complexo — a “banalidade do mal” de Hannah Arendt —, me vi preso não apenas ao desafio de explicar um conceito etéreo, mas também ao impulso de uma dúvida que surgiu enquanto discursava para os estudantes. A política, sempre transitando entre a busca pela liberdade e o aprisionamento, levanta a questão da contradição intrínseca ao ser humano: como a política, em sua essência, pode ser simultaneamente um campo de libertação e de constrangimento?
O pensamento humano é, por definição, um diálogo consigo mesmo. A política, por outro lado, é a interação entre o indivíduo e a sociedade, onde desejos e intenções precisam ser ajustados à convivência com o outro. O “outro” é o primeiro grande limite da minha existência, um fator que molda não apenas minhas vontades, mas também os parâmetros da convivência social.
Neste ponto, uma visão radical poderia sugerir que a liberdade absoluta do ser humano só seria alcançada pela eliminação desse outro. Em solidão, o indivíduo seria livre para realizar seus desejos sem restrições, pois não haveria mais opiniões divergentes, normas sociais ou moralidades a serem levadas em conta. No entanto, essa linha de raciocínio falha ao ignorar um aspecto fundamental da existência humana: o ser humano não existe isolado, nem em solidão absoluta. O outro é essencial, pois é através dele que o indivíduo se desenvolve como humano. Sem a interação social, o ser não alcança sua plena humanidade.
A convivência com o outro cria a necessidade de linguagem e comunicação, que, por sua vez, possibilitam o desenvolvimento do pensamento. É através da linguagem que somos capazes de refletir, inibir nossos impulsos e agir de forma racional, respeitando as normas sociais. A educação, então, pode ser vista como a ferramenta que transcende os instintos mais primitivos e possibilita a formação do sujeito humano. Como Kant sugeriu, a educação é o caminho para alcançar a humanidade, pois ela nos liberta dos impulsos animalescos, moldando o indivíduo de acordo com as normas sociais.
No entanto, o ser humano sempre estará imerso em uma dialética complexa: ser humano é, ao mesmo tempo, ser cerceado. Isso significa que, enquanto o outro é fundamental para nossa humanidade, ele também impõe limitações e restrições à nossa liberdade. Em termos práticos, a verdadeira liberdade é impossível em sua forma absoluta, pois ela depende da convivência e do reconhecimento do outro. A política surge, então, como o espaço de busca por maior liberdade dentro desses limites sociais. Ao buscar maior liberdade em sociedade, o homem lida com essa tensão constante entre o desejo de se libertar dos outros e a necessidade de otimizar a convivência para que todos possam coexistir.
A dialética da política, então, é uma luta contínua entre o anseio de reconquistar a liberdade original ou “de natureza”, como Rousseau a descreve, e o compromisso necessário para uma convivência harmônica. O homem, preso entre essas duas forças, busca constantemente otimizar seu relacionamento com o outro para alcançar um maior grau de liberdade. Nesse contexto, a política não apenas visa à liberdade, mas também à gestão dos limites que a coexistência social impõe, movendo-se entre a tentativa de eliminar ou de suavizar as limitações que o outro impõe ao ser humano.
Essa reflexão sobre a política como uma busca pela liberdade dentro dos limites da convivência social se conecta diretamente com a ideia de banalidade do mal de Arendt. O mal, em sua forma mais banal, se manifesta na obediência cega e na falta de questionamento das normas sociais, como uma maneira de lidar com o desconforto da liberdade limitada. A banalidade do mal é, portanto, uma expressão da política que ignora a reflexão crítica e a busca por uma liberdade verdadeira, submergindo o indivíduo em uma lógica de conformidade e subordinação às regras sem questionamento.
Em última análise, a política é o campo onde o ser humano busca a reconciliação de sua liberdade com os limites impostos pela sociedade, transitando entre o desejo de eliminar o outro e a necessidade de otimizar a convivência para alcançar um equilíbrio mais satisfatório de liberdade.