Em mais um capítulo da polêmica sobre o uso de medicamentos não comprovados no combate à covid-19, o Ministério Público do Estado do Ceará (MP-CE) aplicou uma multa de R$ 468 mil à operadora de saúde HapVida. A razão foi a imposição do tratamento precoce com cloroquina ou hidroxicloroquina aos médicos, o que gerou grandes questionamentos sobre a ética e a legalidade dessa prática.
O MP-CE multou a operadora de saúde HapVida devido à imposição de um tratamento precoce com cloroquina ou hidroxicloroquina para pacientes com covid-19, algo que não possui respaldo científico ou autorização do Ministério da Saúde. A decisão é resultado de uma denúncia já familiar em vários estados do Brasil: a pressão sobre médicos para que prescrevessem essas substâncias, mesmo sem comprovação de eficácia contra a doença.
Essa não é a primeira vez que a HapVida é acusada de adotar essa prática. Em agosto do ano passado, a BBC Brasil revelou relatos de médicos que afirmaram ter sido pressionados pela operadora a utilizar a cloroquina, não apenas em pacientes com diagnóstico confirmado de covid-19, mas também em casos suspeitos. Tais atitudes geram graves preocupações, pois, além da falta de evidência científica, a cloroquina e a hidroxicloroquina são medicamentos que podem apresentar sérios efeitos colaterais.
A situação se torna ainda mais complexa ao considerar que o uso de cloroquina não é autorizado pelo Ministério da Saúde como parte de um protocolo oficial de tratamento para a covid-19. Embora o governo federal tenha incentivado o uso dessas substâncias em algumas fases da pandemia, o Ministério da Saúde nunca estabeleceu diretrizes formais para seu uso, o que eleva a questão à esfera ideológica, com uma clara vinculação ao discurso bolsonarista, que promove o tratamento sem evidências robustas.
Além disso, outro fator que pode ter influenciado as operadoras a seguir essa linha de ação é a perspectiva econômica. A cloroquina é um medicamento de baixo custo, e seu uso poderia, em teoria, reduzir os gastos com internações prolongadas. No entanto, essa abordagem levanta sérias questões éticas: caso o tratamento não fosse eficaz, o custo da vida do paciente cairia sobre o sistema público de saúde, ou o paciente simplesmente não sobreviveria. Isso gera uma reflexão perturbadora sobre a lógica que poderia estar sendo adotada.
Vale lembrar que a relação de hospitais privados com a cloroquina não é recente. A operadora Prevent Senior, que tem forte atuação no atendimento a idosos, também se envolveu em controvérsias relacionadas ao uso do medicamento. Em abril de 2020, a empresa conduziu um estudo que foi rapidamente aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), mas que, em pouco tempo, foi cancelado. Embora o estudo tenha afirmado que a cloroquina era eficaz, os resultados eram questionáveis e, na época, já havia indícios de que a operadora estava utilizando o medicamento amplamente, o que acabou gerando o colapso de diversas pesquisas mais rigorosas.
A atuação do MP-CE é, portanto, um passo importante, mas a questão vai além da multa aplicada à HapVida. O uso de medicamentos sem comprovação científica é um risco iminente, especialmente em um contexto em que as mortes pela covid-19 se acumulam. Com quase 400 mil óbitos no Brasil, o país já enfrenta um impacto devastador da pandemia, e medidas como essas podem piorar ainda mais a situação.
Por isso, a investigação sobre a atuação de operadoras de saúde como a HapVida, e a transparência em relação ao uso de medicamentos não autorizados, precisa ser intensificada. As vítimas dessa prática são, em última instância, os pacientes que confiavam nos profissionais de saúde e nas operadoras para receberem tratamentos eficazes e baseados em evidências científicas. O que está em jogo é não apenas a saúde pública, mas também a ética na medicina e no mercado de saúde privado.