Viveiro de Castro revela um entendimento distinto de Ser entre os Yawalapitis e os ocidentais, onde a ética não é definida pela busca incessante do que está além, mas pelo simples estar no presente.
A cosmologia dos Yawalapitis, uma tribo xinguana descrita por Viveiro de Castro, oferece uma visão profunda e única sobre a relação com o Ser. Ao contrário da concepção ocidental, que busca constantemente o Ser Absoluto, em um processo de emulação e distanciamento do presente, os Yawalapitis têm uma abordagem radicalmente diferente: o Ser para eles não é uma meta a ser alcançada, mas algo distante, uma alteridade fixa que define quem eles são sem a necessidade de persegui-lo.
Para os Yawalapitis, a referência ao Ser está ligada ao sufixo superlativo “kumã”, que denota uma idealização arquetípica de todos os seres existentes. O “kumã” representa um além, um não-real, uma figura que serve como referência, mas não como algo a ser emulado ou atingido. Essa relação de distância com o “kumã” torna-o algo superior, mas também monstruoso, distante e inatingível, estabelecendo um paradigma ético que se diferencia substancialmente da busca ocidental pelo Ser Absoluto.
Em uma analogia com a filosofia ocidental, o “kumã” ocupa um papel similar ao de Deus, o Ser Absoluto que define a verdade e a moralidade no pensamento ocidental. No entanto, enquanto a busca pelo Ser no ocidente gera um movimento de emulação e intervenções contínuas no mundo, a relação dos Yawalapitis com o “kumã” é mais sobre o “estar”, um estado de presença no momento e na cultura, sem a necessidade de agir ou expandir para algo além de si.
Essa diferença fundamental na relação com o Ser resulta em uma ética muito distinta. Para os ocidentais, a ética é pautada pela constante revisão e transformação de si mesmos, um movimento de busca pelo que se é ainda não é, um processo sem fim que envolve uma busca incessante por algo além de nosso alcance. A ideia de liberdade, no contexto ocidental, está intimamente ligada à capacidade de escolha, de decidir seguir ou não essa busca pelo Ser, e isso se reflete na organização política e social que busca moldar a sociedade conforme essa busca idealizada.
Por outro lado, os Yawalapitis não têm o mesmo tipo de “falta” ou ausência que define a ética ocidental. A ausência de um desejo de alcançar o “kumã” ou de buscar a perfeição nos leva a questionar se há uma necessidade de liberdade ou política como entendemos no contexto ocidental. Embora haja uma organização e um sistema de poder na tribo, o modo de ser e a relação com o Ser não exigem uma busca incessante ou intervenção no mundo, mas sim uma existência tranquila no presente. Isso torna improvável a definição de uma ética semelhante à nossa, pois a ética dos Yawalapitis não está em buscar o além, mas em viver plenamente o aqui e agora, no modo de ser que está inscrito em sua cultura.
Essa diferença na compreensão do Ser e da ética entre os Yawalapitis e os ocidentais revela não apenas a diversidade cultural, mas também as formas profundamente distintas de conceber o tempo, o espaço, a liberdade e a organização social. Enquanto a filosofia ocidental busca constantemente o Ser através da emulação e da expansão, os Yawalapitis vivem em harmonia com o que está presente, criando uma ética que se fundamenta na permanência, no estar, sem a necessidade de mudança ou intervenção.