A liberdade política de Kumã

Estudando a cosmologia dos yawalapitis, uma tribo xinguana descrita por Viveiro de Castro, descobri a diferença na noção do Ser desse povo em relação ao homem branco.

Para os yalawapitis, o sufixo superlativo “kumã” denota a referência ideal e arquetípica dos entes existentes. Todo kumã é um além, um não-real que define a referência do real.

Em analogia com o sistema metafísico do homem branco, o kumã ocupa o domínio do que para nós é o Ser Absoluto, o objeto de pensar da filosofia e que resultou na concepção de Deus.

Interessantemente, Viveiro de Castro descreve que a relação dos yalawapitis com os seres-kumã não é de referência para o ser. O kumã é superior, mas também monstruoso, distante, uma alteridade fixa em relação a quem eles são. Isso resulta numa relação assentada na cultura.

A relação dos yalawapitis com o tempo e o espaço, visto que não perseguem o Ser, mas mantém certa distância dele, é do simples estar, é da sedimentação e abstinência. Nós, diferentemente, temos desde o início da filosofia grega uma relação com o Ser de emulação.

O Ser Absoluto é o belo, de modo que a nossa ética é definida pela busca infinita no agir e no pensar pelo que não somos agora. A ética é constante revisão de nós mesmos. É por esta relação com o Ser que nossa relação com o tempo e com o espaço é de constante intervenção e expansão (mesmo que para o nosso interior); e é pela distância e pela busca do Ser que adquirimos uma inquietude chamada “liberdade”, capaz de escolher entre seguir ou não o Ser; e, com ela, outra chamada “política”, capaz de organizar os homens na busca do Ser.

Ambas inquietudes são domínios vinculados à metafísica do além, que se apresenta como o Ser que nos falta. Já aos yalawapitis, não é possível definir o mesmo tipo de falta, tampouco achar palavras para designar uma liberdade ou uma política propriamente dita no interior da tribo (o que não significa que não haja um sistema de organização e poder).

Fato é que o modo de ser e a relação com o ser é inteiramente outra e a ética não se encontra no superlativo, mas no aqui, de tal modo que é inclusive improvável definir uma ética como a concebemos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.