Qualquer coisa próxima de uma civilização já não existe quando um objeto simples de consumo como um chocolate não pode ser de acesso a todos, ao mesmo tempo em que aviões cheios de cocaína voam sobre nossas cabeças. Que a brutalidade e a barbárie cresçam sobre aqueles que nessa miséria avançam sobre a propriedade privada é também sintoma da tensão da privação que impinge a todos.
O racismo explícito de seguranças de um mercado – homens cruéis, monstruosos e canalhas, mas também provavelmente homens negros e precarizados – ao amarrarem um outro jovem negro morador de rua e torturá-lo por meio de chicotadas com fio de cobre por furtar comida é a sombra fantasmagórica dos corpos que podem ser castigados como bodes expiatórios do ódio coletivo. É sadismo, mas é também o grito agônico da disciplina e da ordem que não se sustenta mais.
Já figuras públicas como o presidente da república falando que bandido bom é bandido morto e o governador do Rio de Janeiro comemorando em rede nacional a morte de bandido (desde que seja pobre, negro e da periferia) só estimulam e legitimam a violência cotidiana daqueles que se enchem do sentimento de linchamento e de querer fazer justiça com as próprias mãos, que é sempre a barbárie instalada.