O tabu do lockdown e falta de vacina explicam a crise, não as variantes do vírus.

Qualquer tentativa de culpar a (real) existência de variantes pela atual crise é grosseira mistificação. O problema sempre foi o tortuoso e descoordenado manejo da pandemia que já nasceu com um erro de concepção de fundo ao adotar o modelo hospitalocêntrico, ainda na gestão do Mandetta, subestimando a capacidade da rede do Programa de Saúde da Família, agentes comunitários de saúde e de controle de zoonoses, além de toda rede de atenção básica, para ações de prevenção e promoção da saúde, apoiadas por uma intensa testagem na população.

Houve outros erros, equívocos e omissões, mas, instalada a crise, o que resta de real eficácia são as medidas de isolamento e barreiras sanitárias. Isolamento que nunca pode ser circunscrito a uma única cidade ou região e que é uma estratégia que sempre se ressentiu de uma ação nacional coordenada por um gabinete nacional de crise de fato nunca implementado.

É obvio que as variantes da doença e em especial a P.1 e P.2, ambas originalmente identificadas em Manaus, trazem novo complicador por serem mais transmissíveis e hoje já há concordância entre especialistas de que são mais agressivas e letais. Mas elas não causam a crise, mas antes são frutos dela. Foi o aumento desenfreado de casos, a livre circulação do vírus e a falta de uma vigilância genômica (análise sistemática para identificar mudanças genéticas do vírus) mais completa que possibilitou as mutações do vírus.

Aparecendo a mutação, em plena crise de Manaus, mesmo assim não foram adotadas medidas de isolamento mais contundentes. Sem decretar o confinamento restrito, Manaus (e depois o Amazonas todo) seguiu sendo o laboratório e o disseminador das variantes. Pior, por conta do colapso da rede de saúde com a falta, na época inédita, de oxigênio para o tratamento hospitalar o que se fez, por evidentes razoes humanitárias, foi transferir pacientes em no mínimo seis outros estados aumentando a circulação de, além dos pacientes, profissionais e familiares.

Enquanto em países europeus o uso de lockdown foi e é pratica recorrente, inclusive com duração de semanas, aqui ainda é medida rara. Em muitos estados se estabeleceram três, quatro e até cinco fazes de medidas de isolamento mas as medidas de confinamento restrito nem constam nos planos de contingência.

Além das medidas estarem sempre um passo atrás da gravidade da emergência, mesmo nos últimos tempos vimos governadores, com no caso de São Paulo, inventar uma nova fase ainda intermediária ao lockdown. E não adianta argumentar com o exemplo dos raros, mas exitosos exemplos, como o da cidade de Araraquara que derrubou drasticamente os casos novos e óbitos após a adoção da medida.

Frente a guerra comunicacional do negacionismo bolsonarista minando o apoio da sociedade e sob forte pressão dos interesses diretos de setores econômicos, a tentativa da inglória da maioria dos gestores foi de um manejo conciliador que na prática foi a criação de um negacionismo disfarçado. Nesse cenário o lockdown acabou por virar um tabu e o preço tem sido a evolução descontrolada da pandemia com os dados que nos chocam (ao menos deveria chocar) dia após dias.

E por falar em choque com os dados, parece que o governo Bolsonaro e seu Ministério da Saúde comandado (?) pelo seu quase secreto ministro Queiroga, resolveu fazer um choque de dados, tentando e conseguindo dificultar a comunicação pelos municípios dos óbitos.

São Paulo, por exemplo, teve 1021 registros de mortes ontem e caiu hoje para 281 e seu próprio secretario de saúde relata que municípios tiveram dificuldades de informar os dados, frente a exigência de novos dados, sem avisar e combinar e também por conta de instabilidade no sistema.

Houve o acréscimo de campos como CPF e cartão do SUS, além de ser necessário informar se trata-se de estrangeiro e se a pessoa foi vacinado. Informações que podem ter sua relevância discutida, mas que não pode jamais ser implantada sem aviso, digo mais, sem a anuência dos entes, já que a saúde é descentralizada e com instâncias de coordenação, pactuação e articulação que sempre foi feita no SUS respeitando o conceito de pacto federativo na saúde.

Por fim, seguindo a escrita, Bolsonaro mentiu ontem no pronunciamento à nação. Não somos o 5º pais que mais vacina e já escrevi sobre isso sob o título de “mentiras que parecem verdades”. Na verdade o que importa é a vacinação proporcionalmente à população o que põe o Brasil atrás de Barbados, Argentina, Panamá, Chile e de quase todos os países da comunidade europeia. Mesmo excluindo países com populações diminutas e cidades estados, a colocação do Brasil está acima 50º lugar, longe do que o capitão alardeou.

Depois veio a promessa de 500 milhões de vacinas, evidentemente sem dizer exatamente de onde. Aparentemente a fonte mais segura é a da BioManguinhos/Fiocruz, que teve recentes reajustes no cronograma para menos, mas que ontem comunicou a intenção de fornecer algo perto de 200 milhões de doses até o final do ano. Com as quase 30 milhões já distribuídas, faltariam somente 270 milhões.

Com dados mitigados devido a ação proposital do Ministério da Saúde para dificultar as informações, com os estados de Goiás, Paraíba, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo informando números aquém do esperado, mas somente nos óbitos. Nos dados de novos casos e casos ativos da doença, os números apresentam lastimáveis novos recordes. Temos hoje:

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