O gerenciamento inadequado da pandemia, aliado a um sistema de saúde subutilizado e falhas nas medidas de controle, agravam a crise sanitária no Brasil.
A crise sanitária que o Brasil enfrenta é um reflexo de decisões equivocadas e falhas de gestão desde o início da pandemia. Não podemos atribuir a responsabilidade pela situação atual a fatores como variantes do vírus, pois elas são um produto das condições precárias em que a pandemia foi manejada. O modelo hospitalocêntrico, adotado ainda sob a gestão do ministro Mandetta, subestimou a capacidade das redes de saúde primária, como o Programa de Saúde da Família e os agentes comunitários de saúde, fundamentais para a prevenção e promoção da saúde. Em vez de investir em estratégias preventivas e uma testagem intensiva da população, o foco foi direcionado para um modelo que desconsidera a importância da atenção básica.
Diversos outros erros foram cometidos ao longo do caminho, mas, uma vez instalada a crise, as únicas medidas de real eficácia eram as de isolamento social e barreiras sanitárias. No entanto, o isolamento nunca foi implementado de forma eficaz e coordenada, sendo restrito a algumas cidades e regiões, enquanto o país carecia de um gabinete nacional de crise que tomasse decisões coordenadas em nível nacional.
As variantes do coronavírus, como a P.1 e P.2, originárias de Manaus, agravaram a situação por serem mais transmissíveis e, conforme o consenso entre especialistas, mais letais. Contudo, essas variantes não são as responsáveis pela crise. Elas são um reflexo do aumento desenfreado de casos, da livre circulação do vírus e da falta de uma vigilância genômica eficiente, que permitiria a identificação precoce das mutações. A demora em adotar medidas de isolamento eficazes, especialmente em Manaus, que se tornou o epicentro da crise, agravou a disseminação das variantes pelo Brasil.
A decisão de transferir pacientes de Manaus para outros estados, diante do colapso da rede de saúde, também contribuiu para a disseminação do vírus. Enquanto países europeus adotaram lockdowns rigorosos, no Brasil a medida foi encarada com resistência, e o manejo conciliador adotado pelos gestores não surtia os efeitos necessários para controlar a pandemia. Esse gerenciamento falho culminou em um aumento descontrolado de casos e óbitos, e os dados apresentados continuam a ser alarmantes.
Além disso, o governo Bolsonaro, através de seu Ministério da Saúde, adotou uma estratégia de dificultar a comunicação dos dados sobre a pandemia. Recentemente, foi notada uma queda significativa no número de óbitos registrados, um reflexo da dificuldade dos municípios em repassar os dados de forma precisa, devido à implementação de novos campos no sistema de coleta de informações, sem a devida coordenação com os entes federados. Essa manipulação dos números só reforça a falta de transparência e comprometimento com o enfrentamento da crise.
Outro ponto preocupante é a distorção das informações sobre o avanço da vacinação no Brasil. O governo brasileiro divulgou que o país é o quinto maior em vacinação, mas, ao considerar a vacinação proporcional à população, o Brasil está atrás de países como Barbados, Argentina e Panamá, além de figurar bem abaixo na classificação mundial. A promessa de 500 milhões de vacinas, feita recentemente, também não corresponde à realidade, já que a Fiocruz, responsável por parte dessa produção, comunicou que entregará cerca de 200 milhões de doses até o final do ano.
Enquanto os dados oficiais sobre novos casos e óbitos continuam a mostrar recordes alarmantes, as medidas adotadas permanecem aquém do necessário para controlar a pandemia. A falta de uma estratégia de isolamento efetiva, aliada à manipulação de dados e à ausência de um planejamento coordenado, resultam em uma crise sanitária que poderia ter sido mitigada com decisões mais acertadas e comprometidas desde o início.