O conto da histórico de um médico na solidão hospitalar

O momento não está para o público, tanto a nível do que hoje ocorre abominavelmente no espaço público quanto a nível da absorção imposta por minha vida pessoal e profissional.

Fato é que tenho experimentado a solidão e usufruído do encontro com o tênue espaço entre a vida e a morte no meu dia a dia.

Algumas almas se foram dos corpos que estiveram também sob meus cuidados, outras voltaram como não se esperava. Mas pude ver nessa experiência magnífica como não existe Mundo propriamente dito nesse espaço que tenho observado.

Na emergência e na intensiva, temos o testemunho do ser em sua forma pura do simples estar-aí que independe de circunstâncias.

Entre a vida e a morte, o ser é sempre outra coisa do que foi no mundo; e a prática clínica por fim reflete essa indiferença. É claro que ainda observo as contradições sociais gritando em cada caso.

Em geral a pobreza e a exploração imperam na determinação da morte por doenças tratáveis e preveníveis. No entanto, é incrível como a Medicina no seu extremo, que é a emergência e a intensiva, coincide na prática com o que na filosofia é representado pela atividade do espírito.

Na filosofia, o cuidado não é com a mera existência; é com o ser pendurado da vida e da morte, o nunc stans, como dizia Dum Scotus e os escolásticos: o agora que subsiste no tempo. É a relação íntima entre o espírito e o eterno.

O resultado na existência, que poderia ser interpretado como a Ética (a saúde da conduta, conforme defenderia Sócrates), coincide com a saúde em vida, a qualidade de vida, que a Medicina propõe. Mas em ambos os casos falamos de resultados posteriores à centralidade das práticas intensivas do espírito e do corpo.

Há quem diga que a finalidade prática da filosofia é a ética, assim como da Medicina é a saúde cotidiana. Mas se vê que esse é o ponto de vista da Vida sobre ambas atividades.

Enquanto artes, no entanto, a prática mesma encontra sua plenitude apenas no lugar fora da vida, na solidão absoluta, quando a suspensão da vida (ó noien) resiste à chegada da morte (ó tanatos) #

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