Reflexões sobre a solidão, a vida e a morte: A Filosofia e a Medicina no encontro do espírito

Entre a prática clínica e a filosofia, encontramos a ponte que une a existência humana ao confronto com a finitude.

Atualmente, sinto que o público e o espaço público são forças opressoras, distantes das experiências reais que têm se manifestado na minha vida pessoal e profissional. A solidão tem sido uma companheira constante, e, no íntimo, tenho me deparado com um espaço tênue entre a vida e a morte, algo que se tornou cada vez mais presente no meu dia a dia.

No campo da Medicina, especialmente nas emergências e unidades de terapia intensiva, tenho testemunhado a realidade pura do ser. Quando estamos diante da iminência da morte, o ser humano é despojado das circunstâncias que normalmente definem sua vida no mundo. No entanto, há uma experiência indescritível nesse espaço limítrofe: a existência não é mais o que se pensava, mas uma presença pura e intangível. Cada corpo que se foi ou que retornou contra todas as expectativas me trouxe a certeza de que não há um “Mundo” concreto, como o entendemos, nesses momentos críticos.

As unidades de emergência e terapia intensiva são, de certo modo, onde o ser humano experimenta sua essência mais pura: o simples “estar-aí”. Esse “estar” é indiferente ao mundo que conhecemos, não sendo afetado pelas circunstâncias externas. O ser, neste estado liminar entre a vida e a morte, torna-se outra coisa, algo mais profundo e abstrato do que as convenções do mundo material poderiam definir.

Essa experiência é carregada de contradições sociais. A pobreza e a exploração, infelizmente, continuam a moldar a realidade da morte por doenças que poderiam ser tratadas ou prevenidas. A Medicina, em seu extremo, revela a brutalidade da sociedade ao expor essas desigualdades, mas ao mesmo tempo, como uma arte, oferece uma janela para o entendimento da essência humana.

É interessante observar que, na filosofia, o cuidado transcende a mera existência. Ele lida com o ser pendurado entre a vida e a morte, o “nunc stans” (o agora que subsiste no tempo), como formulado por Dum Scotus e outros escolásticos. O cuidado filosófico busca entender a relação íntima entre o espírito humano e o eterno, algo que na Medicina se reflete na busca pela qualidade de vida e pela saúde.

Embora a prática clínica e a filosofia pareçam ter propósitos distintos, ambas tratam de aspectos fundamentais da existência humana. A Medicina busca cuidar da saúde e da qualidade de vida, enquanto a filosofia procura compreender o ser e a ética da existência. Contudo, ambas têm algo em comum: elas se voltam para o cuidado com o que permanece após a vida cotidiana, algo que transcende a vida normal e adentra um espaço de reflexão profunda.

Na filosofia, a ética é muitas vezes vista como o objetivo final da prática filosófica, assim como a Medicina busca promover a saúde no dia a dia. Mas, ao refletirmos sobre a prática como uma arte, percebemos que o verdadeiro propósito de ambas reside fora da vida cotidiana, no espaço da solidão absoluta, onde a suspensão da vida (ó noien) encontra resistência diante da morte (ó tanatos). É nesse limiar que tanto a Medicina quanto a filosofia se tocam, em um espaço que resiste ao tempo e à finitude, onde o ser humano é desafiado a lidar com sua própria essência e com a fragilidade de sua existência.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.