A tentativa de atribuir o fracasso brasileiro no enfrentamento à pandemia à complexidade territorial e administrativa do país é uma narrativa insustentável. O histórico de excelência do SUS desmente essa pseudoexplicação e revela uma gestão federal marcada pela omissão e pelo negacionismo.
Desde o início da pandemia, o Brasil enfrentou não apenas os desafios inerentes a um país de dimensões continentais, mas também a sabotagem sistemática das políticas de saúde pública pelo governo federal. A alegação de que a complexidade do Brasil explica o caos pandêmico busca diluir a responsabilidade de uma gestão que não soube, ou não quis, utilizar os instrumentos e a expertise do Sistema Único de Saúde (SUS), reconhecido internacionalmente por seus feitos.
Ao longo de três décadas, o SUS demonstrou sua capacidade de gerir crises e implementar políticas abrangentes. Campanhas de vacinação que erradicaram doenças, o programa de combate à AIDS, distribuição de medicamentos de alto custo e a redução da mortalidade infantil são alguns exemplos de sucesso. Além disso, iniciativas como o Programa de Saúde da Família (PSF) e o controle de zoonoses destacam a abrangência e eficiência da saúde pública brasileira. Essa estrutura robusta, baseada em pactuações entre os entes federativos e articulada pelo Ministério da Saúde, mostrou-se indispensável em crises anteriores, mas foi deliberadamente enfraquecida no contexto atual.
A gestão da crise pandêmica pelo governo Bolsonaro foi marcada pela promoção do negacionismo. Em vez de coordenar ações de isolamento social e acelerar a vacinação, o Ministério da Saúde tornou-se um palco para a defesa de tratamentos ineficazes, como a cloroquina, e para a sonegação de dados. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao reconhecer a autonomia dos estados e municípios, atuou para preservar a capacidade de resposta regional diante da inação federal, contrariando a narrativa de que o tribunal teria fragmentado o comando da crise.
Outro agravante foi o desfinanciamento crônico do SUS, intensificado pela Emenda Constitucional 95, que instituiu o teto de gastos. Embora isso limite investimentos, não compromete a expertise técnica e os instrumentos de gestão já existentes, que poderiam ter sido mobilizados para mitigar os impactos da pandemia. A ausência de coordenação nacional e a promoção de medidas contrárias às recomendações científicas agravaram a crise sanitária, resultando em recordes sucessivos de mortes e casos.
Em abril de 2021, o Brasil alcançou uma média móvel de 3.125 mortes diárias, com mais de 355 mil óbitos registrados desde o início da pandemia. Apenas 3,49% da população estava completamente imunizada, expondo a lentidão do programa de vacinação. Esses números colocam o país em segundo lugar no ranking global de óbitos, atrás apenas dos Estados Unidos, e evidenciam a tragédia que poderia ter sido mitigada com liderança e planejamento.
A pandemia não foi apenas um desafio de saúde pública, mas também um teste de governança. No caso brasileiro, o governo federal não apenas falhou em sua responsabilidade, mas ativamente contribuiu para o agravamento da crise, expondo milhões de brasileiros a um sofrimento evitável. O legado dessa gestão será lembrado como um dos capítulos mais sombrios da história nacional.