Em tempos de pandemia, as distorções informativas podem ser tão letais quanto o próprio vírus. No Brasil, um dos maiores desafios tem sido a manipulação de dados sobre a vacinação, uma das poucas ferramentas eficazes para conter o avanço da Covid-19.
Nos últimos meses, os defensores do governo brasileiro utilizaram uma estratégia comum de comunicação: a apresentação de informações parciais e contraditórias. O famoso bordão “é só gripezinha”, seguido da urgência de tratamentos questionáveis como a cloroquina, além da declaração de que o Brasil seria um dos países mais avançados na vacinação contra a Covid-19, esconde, na verdade, uma falha de políticas públicas e uma estratégia negacionista que comprometeram o enfrentamento da crise sanitária. Embora o Brasil seja, de fato, o quinto país com o maior número de vacinas aplicadas, este dado, sem o devido contexto, distorce a realidade.
A falsa sensação de avanço é construída ao destacar o número absoluto de vacinas administradas, como se isso fosse uma demonstração de eficácia. No entanto, o dado realmente relevante é o percentual de pessoas vacinadas em relação à população geral. Ao calcular a cobertura vacinal, que considera a porcentagem de pessoas vacinadas entre a população suscetível ao vírus, o Brasil cai significativamente no ranking global. O país, que inoculou 4,9 doses para cada 100 habitantes, fica atrás de países como Chile, Marrocos e Estônia, entre outros, além de países mais desenvolvidos como os Estados Unidos e Reino Unido.
O número de vacinas aplicadas é relevante, mas, em última análise, o que importa é a proporção de pessoas realmente imunizadas. A vacinação de 3,7% da população com a primeira dose, sendo que a segunda dose atinge apenas 1,2% da população, demonstra que o Brasil ainda está longe de alcançar a cobertura necessária para interromper a transmissão do vírus. Além disso, o Brasil enfrenta uma disparidade regional no acesso à vacinação, com estados como São Paulo avançando mais rápido, enquanto regiões como o Pará permanecem em uma situação crítica.
A falta de um plano coordenado de vacinação, aliado à irresponsabilidade das autoridades federais, resultou em um avanço descontrolado da pandemia. O negacionismo promovido pelo governo, em grande parte liderado pelo presidente Bolsonaro e aliados, juntamente com a falta de uma resposta unificada frente à crise, tem aprofundado ainda mais a tragédia nacional. A propagação do vírus não é mais restrita a surtos isolados, mas se espalha por todo o território nacional, atingindo 100% dos municípios brasileiros.
A escalada da mortalidade também é alarmante. Em novembro de 2020, as taxas de óbitos estavam controladas, mas desde então, a média móvel de mortes tem subido de maneira consistente, atingindo hoje mais de 1.400 óbitos diários. A falta de um lockdown eficaz, a resistência à adoção de medidas rigorosas e a propagação de teorias que negam a gravidade da pandemia são fatores que contribuem diretamente para essa situação.
Porém, ainda há esperança. O crescimento de manifestações populares, como os panelaços, pode ser um sinal de que a população está começando a se despertar. Contudo, é necessário mais do que simples protestos para reverter o quadro catastrófico em que nos encontramos. A resposta à pandemia precisa ser um esforço conjunto de toda a sociedade, com a adesão a medidas de contenção, uma vacinação rápida e coordenada e uma reorientação das prioridades políticas.
O Brasil está em uma encruzilhada. A forma como lidamos com a pandemia nas próximas semanas determinará não apenas o futuro imediato da saúde pública, mas também a nossa capacidade de superar uma das maiores crises da história recente. O caminho para a recuperação passa por uma única direção: a verdade, a transparência e a responsabilidade.