Negacionismo é como vírus, sofre mutações

Onyx Lorenzoni declarou, atacando o lockdown, que o vírus pode ser transmitido por insetos e animais, inclusive pássaros. Segundo o nosso ministro da Secretaria Geral da Presidência, insetos não respeitam o lockdown. Fez isso em entrevista para a Radio Jovem Pan, que tem funcionado como porta voz extraoficial do negacionismo e ou do bolsonarismo.

Aviso aos navegantes, Onyx não é um estúpido ignorante e sabe perfeitamente que o que disse é bobagem. Falou isso no esforço de comunicação com a horda, para fornece-lhes discurso e mais argumentos, preferencialmente delirantes, mas com aparência lógica, para seguirem sua cruzada obscurantista.

Reparem que Lorenzoni desloca o argumento que em alguns casos é válido. Vou dar exemplo citando uma anedota. Um vereador teria pedido fechamento de fronteira com cidade vizinha que estava com surto de dengue ao que outro edil retrucou que só faltava combinar com os mosquitos para respeitarem a barreira. No caso o vetor da dengue é o Aedes aegypti.

A premissa é falsa, derruba a lógica argumentativa, mas a rede de WhatsApp logo fornecerá uma chuva de estudos que comprovam a transmissão por mosquitos e assim o círculo semântico se fecha. Não é tao difícil imaginar isso, pois já circulam até estudos demonstrando a transmissão do vírus por ondas emitidas por antenas 5G. Loucura? Não. Somente guerra cultural e manipulação de massa em curso.

 Enquanto isso a pandemia:

São Paulo volta a bater mais um infeliz recorde da pandemia com 1.193 registros de óbitos elevando a média móvel de mortes para 557 que é praticamente o dobro do pior registro da primeira onda. Minas Gerais e Rio Grande do Sul também tiveram hoje o segundo pior (maior) registro de óbitos da pandemia.

Estão agindo de forma complementar dois determinantes, a mortalidade da doença que é alta e pode estar maior por conta das variantes, e o outro determinante é o colapso na assistência, com gente morrendo antes de ter acesso a UTI ou mesmo a um leito hospitalar.

Um fator que poderia impactar positivamente os dados de óbitos é a campanha de vacinação que iniciou-se a 66 dias. Possivelmente vidas já fora salvas, mas menos do que poderia se o ritmo da vacinação não fosse tão lento. Até o momento contabilizamos 14.571.283 (7%) vacinados, com 4.609.851(2,2%) segundas doses aplicadas.

Outra fator que diminui a eficácia da vacinação para a derrubada da curva de óbitos é que a faixa etária atendida ainda é dos muito idosos, acima de 75 anos, que de fato tem a letalidade maior mas representa um percentual menor de atingidos e mortos, principalmente pelo fato de que uma das características da segunda onda é o aumento da mortalidade dos mais jovens.

O ideal seria já termos vacinados todos os e 60 anos ou mais e já ter começado a vacinação de todos os demais adultos, isso certamente já teria impactado de forma positiva os índices, como é o caso do Reino Unido que vacinou perto de 40% da população e despencou sua média móvel de mortes para 70 enquanto a nossa é de 2.300. proporcionalmente à população nossa média móvel é 10 vezes maior do que do RU.

Voltando a Lorenzoni e o negacionismo:

Os dados seguem gravíssimos indicando que a crise não atingiu o pico e não é exagero afirmar que o potencial é de piora significativa, principalmente quando olhamos para o número de infectados e para o de casos ativos, ambos batendo sucessivos recordes.

Nesse contexto temos assistido movimentações que vão de banqueiros pedindo medidas até a AMB, embora bem tarde, mudando de posição e condenando tratamentos sem comprovação científica. Nesse quadro entra o Bolsonaro em rede nacional dizendo que vacinará todo mundo até o final do ano.

Mas nada do que relatei parece mudar de fato a essência do negacionismo bolsonarista. Bolsonaro parece que tenta fazer uma clivagem em que a vacina será obra dele, mas seguirá negacionista em todos os demais temas, basta ver a defesa pelo presidente da nebulização de cloroquina feita sem autorização por médica em Porto Alegre.

Lorenzoni não é peixe pequeno, é figura central do bolsonarismo e é um ministro, isso dá conta de que a guerra cultural em curso não arrefecera. A inflexão no caso da vacina deve ser só aparente, somente tática no sentido de ter algo bem concreto, incontestável, simples em contraste com tudo o mais que, na visão do bolsonarismo, é sofrido, como isolamento que causa desemprego e máscara que causa desconforto.

Assim, negacionistas seremos nós, que duvidamos da cloroquina, do kit covid, do spray, do ozônio e de todas as tentativas de quem faz de tudo, sem esperar a ciência, mas apostando com coragem. Seremos a turma do contra, politizadores da doença e que torcem para o pior. A vacina será, ao menos Bolsonaro quer, o trampolim dessa nova fase da guerra ideológica.

Cabe a todo o campo progressista e democrático não aceitar o jogo passivamente e me parece plausível que seu desgaste frente à aceleração vertiginosa da crise pode trazer desgastes irreparáveis para o capitão. Somente fiquemos atentos. Bolsonaro ainda tem munição para trocar.

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