Brasil: a ameaça mundial diante da pandemia

Da estratégia eleitoral ao seu desprezo pela vida, as razões que levaram Jair Bolsonaro a transformar o Brasil em ameaça sanitária global, sopa de novas variantes da covid-19 e cemitério a céu aberto do mundo são conhecidas. Por isso, em algum momento, será condenado pelos tribunais e pela História. Contudo, não podemos esquecer que todo massacre é também um empreendimento coletivo.

E que empreendimento! Sábados eram dias em que a morte dava a ilusão do descanso porque a capacidade de testagem para covid-19 é reduzida. Neste sábado (17), o pior de toda pandemia, tivemos 2.929 óbitos registrados. Segundo o cristianismo, no sétimo dia, o criador descansou. Mas o vírus, não, o vírus nunca descansa.

Bolsonaro não seria capaz de fazer tudo o que fez sozinho. Sempre houve idiotas gritando, nas ruas, palavras bizarras que são levadas pelo vento. Mas as dele encontraram eco, resposta e apoio. Fincaram raízes.

O presidente teve ajuda, o presidente tem ajuda. De psicopatas, de oportunistas, de covardes, de pusilânimes, de pessoas que se preocupam apenas com sua felicidade, seus projetos e seu lucro enquanto uma montanha de mortos se ergue no horizonte.

Eles estão em toda parte. Podem ser encontrados nas mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Nos gabinetes de tribunais pelo país. Nos corredores palacianos, usando farda ou terno. No chão dos quartéis ou em chefias das Forças Armadas e das polícias. Em eventos e coquetéis, como carreiristas que fazem o que for necessário para chegar ao STF.

Em terras griladas, desmatadas e contaminadas por agrotóxicos. Nos garimpos ilegais em áreas indígenas. Pelos púlpitos de certos templos e altares de algumas igrejas. Em confortáveis salas de operadores do mercado financeiro. Cobrando por segurança em territórios de milícia. Em protestos contra máscaras e vacinas e a favor de vermífugos. Comprando armas e munições para o momento em que o mito precisar. Em megabaladas clandestinas, enquanto a morte dispara. Ou, algumas vezes, nas nossas próprias famílias e grupos de WhatsApp.

É cômodo pensar que o ódio se resume a uma única pessoa que contaminou as demais. Isso tira a culpa coletiva e simplifica um processo que inclui papéis como sócios, aliados, vassalos, seguidores e enganados. Por isso, Bolsonaro é causa, mas também consequência, sua necropolítica não é uma falha, um projeto de vários grupos que, às vezes, nem se bicam entre si.

Ele não sai, seja renúncia ou impeachment, não só porque o Brasil está letárgico devido ao isolamento social e à longa pandemia ou porque conseguiu a simpatia de uma parte dos trabalhadores pobres por conta do auxílio emergencial no ano passado. Há uma parte do país que se reconhece nele e que nele reconhece um bom negócio.

O processo de parceria é diferente do processo de manipulação. É compreensível que a covid-19 gere um sentimento de impotência em uma parcela da população diante da falta de informação sobre os efeitos e o -tratamento, uma doença nova e que ainda está em estudo. Isso abre espaço para que líderes demagógicos preencham as lacunas, mesmo com mentiras, e apontem soluções que não resolvem. Parte da população abraça essas soluções em busca de alguma coerência para suas vidas. E toma vermífugos que não matam vírus, só vermes.

A boa notícia de uma releitura da filósofa alemã Hanna Arendt, se é que há uma, é que quando o movimento autoritário cai, muitas pessoas podem mudar seu comportamento. “Embora estivessem antes dispostos a morrer como robôs (…), abandonam calmamente o movimento como algo que não deu certo e procuram em torno de si outra ficção promissora, ou esperam até que a velha ficção recupere força.”

Quando chegar esse momento, muitos sócios, aliados e vassalos do presidente vão dizer que foram enganados por ele como parte dos cidadãos comuns também foi. Outros vão negar que fizeram o que fizeram. E calmamente pularão de um barco para o outro, como ratos.

Será um esforço grande, mas necessário, lembrar cada um que poderia ter feito algo para impedir a continuidade desse massacre, mas preferiu seus cálculos políticos e econômicos. E dar a eles o mesmo destino do presidente, na Justiça e na História.

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