Numa pandemia dessa magnitude, ferir os protocolos de isolamento social equivale em conduta a dirigir embriagado.
Se alguém morrer, é homicídio por negligência, o que imputa dolosidade. É claro que ninguém tem debatido a questão nesses termos, mas o que temos visto na epidemia atual com a progressiva queda das medidas de isolamento e aumento dos casos, ou platô no pico, é uma propagação virulenta da intenção de matar.
É perfeitamente aplicável interpretar a conduta negligente da sociedade como vontade de ver uma calamidade acontecendo, pagando para ver se morre também ou contando com o jeitinho brasileiro e com os privilégios econômicos individuais para sobreviver.
A pandemia é uma calamidade ética. Como dizia Albert Camus, é nela que vemos o abismo mais perverso da humanidade. E temos a oportunidade de testemunhar essa brutalidade ao vivo e a cores.
Confesso que no atendimento médico, lidar com essa contradição em pacientes que não obedeceram o isolamento social por motivos fúteis tem sido um desafio.
Os motivos da quebra de isolamento social são dos mais variados possíveis e por isso nosso papel obviamente não é discriminar ou reprimir.
Não obstante, faz parte do papel do médico o juízo (que é diferente de julgar), pois, saúde também é uma questão de responsabilidade e é necessário orientar o paciente neste sentido. Se não nós, quem fará?