O que realmente preocupa não é a extrema direita ou o autoritarismo, mas a crescente aversão à política e o crescente apoliticismo na classe média.
Analisando os recentes protestos no Brasil, fica claro que a maior ameaça à democracia não está restrita àqueles que clamam pelo retorno da ditadura ou que não aceitam o resultado das urnas. Embora esses discursos, de fato, sejam aberrantes e mereçam vigilância constante, não são os maiores desafios que enfrentamos hoje. Esses movimentos, ainda que alarmantes, representam uma parcela minoritária da direita que tem ganhado destaque nas manifestações, principalmente por serem alvo das coberturas midiáticas e das piadas de setores mais progressistas da sociedade.
O verdadeiro problema reside no fato de que a maioria da classe média que participa dos protestos não está necessariamente imersa em um posicionamento político radical ou violento, mas sim em um sentimento mais profundo de aversão à política. Essa aversão se traduz não apenas em um distanciamento dos ideais políticos tradicionais, mas em uma rejeição geral ao debate e à ação política, uma negação da democracia e de seus processos. Em um contexto onde os movimentos de direita ganham terreno, o que se observa é uma despolitização que não é menos perigosa do que o autoritarismo.
Embora figuras como Bolsonaro representem uma direita caricata, com discursos radicais que promovem a intolerância e a violência, sua adesão popular ainda é limitada a um segmento específico da sociedade, em grande parte movido por questões identitárias e pela busca por um “modelo de governo” que resgata elementos autoritários do passado. O que realmente domina as ruas, contudo, é o sentimento de cansaço e desilusão com o sistema político como um todo, especialmente entre os setores da classe média.
Essa dinâmica fica ainda mais evidente quando observamos a reação contra líderes do PSDB, que, embora tenham sido protagonistas de escândalos de corrupção no passado, também representam uma direita mais moderada. Durante os protestos, esses líderes foram, de maneira simbólica, rejeitados e até “linchados” pela mesma massa que, paradoxalmente, busca mudanças dentro de um sistema político que reflete a corrupção e as falhas das antigas lideranças.
Essa rejeição não é apenas dirigida a partidos ou políticos específicos, mas, fundamentalmente, à política em si. O sentimento predominante é de que a política é ineficaz, suja e desinteressante, o que, por sua vez, alimenta um ambiente de desinformação e apatia. A crescente desilusão com a política institucional e a crise de representatividade que ela gera criam um caldo de cultura ideal para o avanço de discursos autoritários, seja de direita ou de esquerda.
Portanto, a grande ameaça à democracia brasileira não reside unicamente nos movimentos fascistas e autoritários, mas na crescente aversão à política e na apatia que domina uma grande parcela da sociedade. O desinteresse e a desconexão com o processo democrático abrem brechas para que soluções radicais, que negam a pluralidade e a convivência política, ganhem força. Combater essa ameaça exige, antes de tudo, um esforço de reaproximação da sociedade com os processos políticos e com a reflexão crítica sobre o papel da política na construção de uma democracia sólida e inclusiva.

A aversão à política: um olhar sobre o desprezo pela classe política e os riscos à democracia
O desprezo pela política não só enfraquece a democracia, mas alimenta uma ideologia que a nega, com a classe média adotando uma postura apolítica que se aproxima do totalitarismo.
Nos recentes protestos no Brasil, o sentimento predominante nas ruas entre as massas da classe média não era, necessariamente, o apoio a uma ideologia política específica, mas sim uma indignação generalizada contra a corrupção. Essa aversão à classe política, em sua forma mais primitiva, parece estar enraizada em um senso comum que vê os políticos como intrinsecamente corruptos, independentemente de provas ou condenações específicas. Basta ser político para ser considerado suspeito.
Esta ideia não surge do nada. Há razões históricas e sociais para essa desconfiança generalizada, alimentada por escândalos que frequentemente dominam os jornais. A cada novo escândalo, a corrupção se torna uma premissa incontestável na política brasileira. Mas o que chama atenção é que, para muitos, ser político já equivale a ser corrupto. Essa percepção se reflete em uma rejeição crescente ao próprio sistema político, com os participantes dos atos deixando claro seu orgulho de se dizerem apolíticos e sua postura contra todos os partidos, como uma forma de protesto contra a classe política em geral.
O ponto-chave dessa aversão não é tanto o posicionamento ideológico do PT, ou de qualquer outro partido, mas sim a ideia de que, independentemente de sua ideologia, os políticos são responsáveis por um “grande escândalo de corrupção”. No caso do PT, o maior alvo dessa crítica é a percepção de que o partido tem sido o epicentro do maior escândalo de corrupção da história do Brasil. Mas, interessante, as massas não individualizam a questão no PT, preferindo apenas analisar o partido como um símbolo, cuja retirada se apresenta como a solução mais urgente.
A grande ameaça à democracia não reside apenas nos movimentos autoritários que se opõem a partidos ou à esquerda. O perigo mais insidioso vem da ideologia que rejeita qualquer forma de conduta política, que não reconhece mais a legitimidade do debate, da persuasão ou da própria democracia como um valor. Quando os cidadãos veem a política como algo supérfluo e sem valor, eles abrem espaço para a ascensão de formas de governo que não necessitam da participação democrática. O desprezo pela política, que se baseia no movimento moral de “pessoas de bem” que trabalham e alcançam sucesso sem “flertar com a corrupção”, dá origem ao totalitarismo, uma forma de governo onde a política não tem mais função social ou coletiva.
Esse desprezo é fundamentado na ideia de que a política, enquanto meio de transformação social, não serve ao objetivo pragmático de garantir o crescimento econômico. O político, para essa classe média, é apenas um gestor, e o verdadeiro valor do político está em ser “eficiente”, “trabalhador” e comprometido com a manutenção do status quo. Para muitos, um bom político é aquele que realiza e garante resultados concretos no campo da economia, em vez de se envolver em discussões sobre direitos sociais ou transformações estruturais.
Essa lógica pode ser vista no apoio ao juiz Sérgio Moro, que foi amplamente aclamado como “herói da nação”. Sua popularidade, no entanto, não decorre apenas de sua atuação contra o ex-presidente Lula, mas também de sua imagem como um juiz concursado “trabalhador”. Moro, ao ser visto como alguém que segue regras e cumpre com sua carga de trabalho, se aproxima da figura de um “bom trabalhador”, admirado por aqueles que valorizam a eficiência e a produtividade acima de qualquer outra característica.
Esse desprezo pela política, paradoxalmente, não é uma pauta exclusivamente de direita, pois também foi defendido no passado por pensadores de esquerda, como Marx, que no século XIX procurou elevar o trabalho como atividade humana central. No entanto, a atual infusão desse ideário na direita brasileira levanta uma das maiores perplexidades da conjuntura política atual. Ao focar exclusivamente na produtividade e eficiência, a política se torna dispensável e obsoleta, como um instrumento que não serve mais para transformar a sociedade, mas apenas para manter o status quo.
O problema maior reside no fato de que essa ideologia de desprezo pela política e pela democracia não só enfraquece o sistema democrático, mas cria uma visão de que a democracia é um obstáculo para o progresso, tornando-a, aos olhos da classe média, uma ferramenta pouco pragmática e desnecessária. Esse movimento apolítico pode ser visto como a maior ameaça à democracia, pois onde não há espaço para o debate, para o confronto de ideias e para a política em sua essência, a democracia perde sua relevância e seu poder transformador.