O Brasil, ao enfrentar uma pandemia mais letal que a AIDS, sofre as consequências de escolhas políticas que subestimaram a importância da ciência e da gestão responsável da saúde pública.
Na década de 1980, quando o HIV começou a se espalhar pelo mundo, sua transmissão foi inicialmente associada a uma narrativa moralista que o considerava um “castigo divino” para os homossexuais. A visão de que a doença era uma espécie de “peste gay” alimentou discursos preconceituosos e a ideia de uma punição divina para os “pecadores”. Quarenta anos depois, surge uma nova pandemia, o coronavírus, cuja transmissão respiratória não tem qualquer vínculo com orientação sexual, mas que igualmente gerou um clima de pânico e desinformação.
Em termos de mortalidade, a comparação entre as duas doenças no Brasil é impressionante. Em 2019, o HIV causou 10.565 mortes no país, uma média de 29 óbitos por dia. Já a Covid-19, que há um ano assola o Brasil, causou cerca de 285.000 mortes, o que equivale a uma média de 781 óbitos diários. Essa diferença se traduz em uma letalidade 2.693% maior para a Covid-19 em comparação ao HIV, se considerada a média anual. Em um cenário ainda mais grave, a média atual de óbitos, que chega a 2.000 mortes diárias, representa uma letalidade 6.896% maior do que a da AIDS.
Enquanto o Brasil se vê imerso em uma pandemia devastadora, a ciência fez avanços significativos no combate ao HIV. O desenvolvimento de tratamentos eficazes e a implementação de políticas públicas de saúde, como o SUS oferecendo tratamento universal e gratuito, marcaram a década de 1990, quando o país adotou uma postura responsável no enfrentamento da doença. A quebra de patentes e a testagem em larga escala ajudaram a salvar milhares de vidas, e essa abordagem foi amplamente elogiada no cenário internacional. O protagonismo de gestores como José Serra foi crucial para o sucesso da estratégia.
Em contraste, a resposta do Brasil à pandemia de Covid-19 foi marcada por uma série de erros políticos e negligência na liderança. O governo federal minimizou a gravidade da doença, desconsiderou as orientações científicas e promoveu um discurso negacionista, caracterizado por declarações absurdas sobre medicamentos sem eficácia comprovada e a rejeição ao uso de máscaras e distanciamento social. Esse comportamento, aliado à ausência de uma estratégia de vacinação eficaz, transformou o Brasil em um dos epicentros da pandemia, com uma taxa de mortalidade alarmante e a reputação do país sendo manchada mundialmente.
Se a postura de liderança responsável, adotada no enfrentamento do HIV, tivesse sido seguida no combate à Covid-19, o Brasil poderia ter evitado parte da tragédia que vive hoje. Infelizmente, a escolha de eleger líderes que subestimaram a ciência e negaram a importância de uma gestão pública responsável resultou em um caos sanitário e em um número de mortos que poderia ter sido muito menor.
Ao refletirmos sobre essas duas pandemias, fica evidente que o papel da liderança política é fundamental para o enfrentamento de crises de saúde pública. O povo que elegeu um governo que desconsiderou a ciência e negligenciou o combate à pandemia está colhendo as consequências de suas escolhas. O sofrimento causado pela Covid-19 não é apenas uma tragédia sanitária, mas também um reflexo da falta de responsabilidade política e da falta de compromisso com a vida e o bem-estar da população.