Enceto à discussão sobre a cultura da “vida a qualquer custo” propagada – é de onde posso falar com propriedade – no Ocidente.
O apego à vida a despeito de sua qualidade definitivamente é semiológico de um contexto. Nunca antes se viveu com tanta futurologia na Terra. Contradizendo até mesmo aos religiosos, que por milênios abstiveram-se de desejos e projetos tendo em vista a vida após a morte, o que vemos na humanidade hoje é uma abstenção de desejos e, muitas vezes, da qualidade de vida presente em função de uma qualidade terrena vindoura.
Assim, justifica-se ideologicamente os trabalhos mal remunerados que prometem “ascensão”, as jornadas torturantes de estudantes e trabalhadores da periferia que exercem suas atividades no centro da cidade e gastam 3 horas ao longo do trajeto, as postergações da gravidez nas mulheres que querem ser mães mas que, atualmente, vislumbram-se assim apenas “na casa dos 40”, etc.
Muito embora o esforço individual seja natural tendo em vista desejos quaisquer, o que vemos hoje é um abandono absoluto da vida e de sua situação no presente em função de uma esperança, de uma expectativa de que um dia o “estado de felicidade” estará confluente com o estado do “ser em si”; e assim estamos numa eterna transição em que o bem está apenas no devir.
Somente uma sociedade sob esta óptica pode achar razoáveis as distanásias copiosamente executadas. E as discussões em torno de eutanásia, distanásia, etc têm sido tão vazias que certamente alguém vai ler e falar que este é um assunto superado.
Caros, não se trata de evitar que uma pessoa vegetando continue sendo mantida por aparelhos, nem apenas de “salvar” uma vida curável, trata-se de manter viva uma pessoa que, apesar de poder, devido às sequelas acharia melhor não. Diz-se que a vida deve ser mantida e prolongada porque assim a pessoa terá mais oportunidades de ser feliz. Será?
Uma frase perene diz: “curar às vezes, aliviar frequentemente, confortar sempre”. Será que fazer uma pessoa passar seus prováveis últimos dias num hospital, independente das condições em que eles estão, é irrefragavelmente uma atitude reconfortante? Pensemos.