A sociedade ocidental tem priorizado a manutenção da vida em detrimento da qualidade da experiência humana, criando um cenário em que as escolhas individuais e o sofrimento se veem muitas vezes subordinados a uma promessa de felicidade futura.

A discussão sobre a cultura da “vida a qualquer custo” no Ocidente é um tema complexo e profundamente enraizado em uma série de fatores históricos, sociais e filosóficos. No cerne dessa questão está o paradoxo de um apego à vida que, muitas vezes, se sobrepõe à reflexão sobre a qualidade dessa vida. Esse fenômeno reflete um contexto cultural em que se busca incessantemente garantir a sobrevivência, às vezes à custa da própria experiência de viver de forma plena e satisfatória.
Nunca antes a humanidade se dedicou tanto à futurologia e à busca por uma vida eterna ou, ao menos, a um prolongamento artificial da existência. Esse impulso de viver a qualquer custo parece contrastar com a visão religiosa de outras épocas, em que a vida na Terra era considerada passageira e, em muitos casos, secundária em relação à vida após a morte. Hoje, vemos uma sociedade que renuncia ao presente, adiando sonhos e desejos pessoais em favor de uma expectativa futura de “felicidade” que, muitas vezes, nunca se concretiza.
Esse modelo se reflete nas jornadas exaustivas de trabalho, como as de estudantes e trabalhadores da periferia, que investem uma parte significativa de suas vidas em trajetos longos e mal remunerados, com a esperança de um futuro melhor. A mesma lógica pode ser observada nas mulheres que, devido à pressão social e às exigências da vida moderna, adiam a maternidade até atingir a casa dos 40 anos, com o desejo de ter filhos, mas sem condições ideais para isso. A sociedade parece acreditar que a felicidade e a realização pessoal estão sempre no futuro, nunca no presente.
Dentro desse contexto, surgem questões difíceis, como as relativas à eutanásia e à distanásia, que continuam a dividir opiniões. A ideia de manter alguém vivo a todo custo, mesmo quando o sofrimento é insuportável ou a qualidade de vida está irremediavelmente comprometida, é uma discussão que muitas vezes se torna rasa e polarizada, sem uma análise mais profunda das reais necessidades e desejos da pessoa envolvida. O que se questiona aqui não é a manutenção de uma vida “curável”, mas o prolongamento de uma existência que, devido às sequelas de uma doença, pode ser marcada por sofrimento e pela falta de autonomia.
Uma das grandes questões éticas que surgem é se a vida deve ser mantida por mais tempo apenas porque há uma chance de que a pessoa experimente algum grau de felicidade no futuro. A ideia de que a felicidade está em um futuro incerto leva a um dilema moral: é justo obrigar alguém a viver em circunstâncias em que o sofrimento é constante, na esperança de que um dia a felicidade chegue? A frase “curar às vezes, aliviar frequentemente, confortar sempre” resume um princípio fundamental da medicina, que muitas vezes se perde na busca pelo prolongamento da vida a qualquer custo.
A questão fundamental que surge aqui é: prolongar a vida é sempre uma atitude reconfortante? Não deveríamos questionar se, ao manter uma pessoa “viva” em condições desumanas, estamos, na verdade, tratando do sofrimento de uma forma que não é verdadeiramente compassiva? Será que a morte digna e o fim do sofrimento não seriam, em muitos casos, o maior conforto que podemos oferecer a um ser humano?
Esse dilema ético está no centro das discussões sobre a eutanásia e distanásia, temas que exigem uma reflexão profunda sobre o valor da vida e da dignidade humana. O que é realmente mais importante: a vida a qualquer custo ou a qualidade de vida que leva em consideração o sofrimento, a autonomia e os desejos da pessoa envolvida? A sociedade precisa, urgentemente, debater essas questões de forma mais madura, sem perder de vista a complexidade das escolhas que envolvem a morte e o fim do sofrimento.