Reflexões sobre o controle estatal e a repressão legalizada

No cenário político contemporâneo, as manifestações populares enfrentam um desafio significativo: a criminalização dos movimentos sociais. Isso ocorre em grande parte devido ao fato de que o aparato sindical, que historicamente detinha o direito à violência legítima – em formas de greves, piquetes e até depredações em nome da luta – foi progressivamente cooptado pelo Estado. Com essa coação, os movimentos sociais perderam a capacidade de resistência autônoma, limitando suas alternativas frente ao que, por exemplo, se via durante as ditaduras militares, quando havia uma atuação mais explícita e violenta do Estado.
A situação se torna ainda mais grave quando o poder judiciário, em vez de servir como um mecanismo de proteção à democracia e à liberdade de expressão, adquire o álibi para legitimar a repressão. A Justiça, através de um processo de legitimação, divide as manifestações em duas categorias: as “corretas”, aquelas que acontecem dentro dos parâmetros do sistema e que são apoiadas pelo aparato da ordem, e as “incorretas”, que são vistas como desordem e que, portanto, merecem repressão. Este processo de separação entre o que é aceito pelo Estado e o que é rejeitado tem o efeito de transferir a repressão, antes praticada de forma ilegal, como durante a ditadura militar, para os meios legais e institucionais dos tribunais.
Essa mudança na forma de repressão resulta em um esvaziamento do poder dos manifestantes, que veem suas vozes e ações silenciadas não mais pela violência explícita, mas pela legalização da repressão. Assim, o poder do cidadão de protestar, questionar e reivindicar torna-se cada vez mais limitado. Isso se traduz em prisões arbitrárias e em um cerceamento da liberdade de expressão, onde qualquer ato de manifestação, seja em apoio a estudantes, a rebeliões indígenas ou a outros grupos, é facilmente classificado como uma ameaça à ordem pública e passa a ser tratado com violência legalizada.
O exemplo das manifestações estudantis, como a tomada da laje do Congresso Nacional durante protestos em junho do ano passado, ilustra essa dinâmica. A repressão a esse tipo de ato não é mais tratada como uma violação dos direitos humanos, mas sim como uma ação legítima do Estado para manter a ordem pública.
Assim, enquanto os movimentos sociais buscam se expressar e lutar por mudanças, eles são confrontados com um sistema que, ao invés de ouvir e negociar, busca silenciá-los através do aparato judicial e policial. Isso resulta em uma sociedade onde os direitos de manifestação são cada vez mais ameaçados e onde a repressão se disfarça de legalidade, tornando a luta popular cada vez mais difícil e desprotegida.