A política genocida

Algumas coisas precisam ser esclarecidas quando falamos do retrocesso político pelo qual estamos passando. Leis que atacam a previdência de servidores públicos, leis que terceirizam trabalhadores, leis que reduzem a maioridade penal, entre outras, são projetos que, por estarem ganhando fôlego no mesmo momento, sinalizam a mesma tendência política previsível em tempos de recessão econômica.

Sim, estamos em crise, mas a sua opinião sobre todos esses projetos políticos depende da forma como você enxerga essa crise. Basicamente há duas formas de perceber o que se passa, e digo isso porque não há meio termo entre “certo” e “errado”.

1) A primeira forma de enxergar o que se passa é achando que o mundo está certo e que nossos problemas, portanto, derivam de erros adicionais, erros externos ao estado de coisas.

Para quem pensa assim, o capitalismo sequer é problematizado, pois estão muito satisfeitos com essa forma de organizar as riquezas e a vida. A crise econômica, portanto, deriva da falta de eficiência da sociedade.

As soluções, então, são as medidas que garantem o nosso “fluxo social”, como a segurança, a circulação da economia, a moralidade, a higienização. Como o problema não é estrutural, ele passa a ser individual.

Criam-se, assim, teorias conspiratórias, pois nada justificaria tantos “erros”, como os escândalos de corrupção, senão um projeto de poder e dominação do PT, logo, um desvio moral mais grave do que a corrupção em si.

E não é justamente a “ameaça comunista do PT” que justifica a PEC que prolonga o prazo da aposentadoria compulsória dos ministros do STF, a tal PEC da bengala do Cunha? Ceifa-se a democracia apenas para impedir que a presidência indique ministros para o judiciário, um direito previsto constitucionalmente.

Essas iniciativas golpistas são as mesmas que permearam o imaginário médio em 64. São pensamentos que, ao tratarem o problema como fruto de pessoas, tornam as pessoas o próprio problema. Por isso, palavras como “higienizar”, “moralizar”, “punir” ganham tanto eco.

Deve-se reduzir a maioridade penal porque o bandido é fruto de sua própria fraqueza e, portanto, deve ser confinado onde não incomoda mais; deve-se reduzir direitos de pessoas LGBT’s porque a “imoralidade” precisa ser evitada em todos os lados; deve-se fiscalizar, fiscalizar e fiscalizar porque o petrolão e o mensalão (todos no aumentativo) são desvios de indivíduos “sem ética” e só o olhar inquisitório pode por ordem no congresso (e, por favor, não reparem no desvio de verba do nosso condomínio).

Em momentos de crise, para essa forma de enxergar o mundo, a falta de eficiência requer higienização, e é por isso que a polícia militar é nossa “amiga”, que garante o controle do cotidiano com punhos firmes. É esse viés que torna algumas passeatas tão “pacíficas”, normalmente no domingo (para não prejudicar o fluxo do dia-a-dia), cheias de “selfies” e consumo, quase uma nova proposta de turismo e absolutamente dentro da ordem. Para essa forma de enxergar o mundo, o fascismo é o ápice da coerência.

Como esse tipo de postura me faz querer, digamos, vomitar no mundo, temos a segunda forma de perceber o que se passa.

2) A segunda forma de perceber o que se passa é achar que o mundo está errado e que nossos problemas, portanto, derivam de seus erros inerentes. Para quem pensa assim, a nossa estrutura social é problemática, contraditória, e ela mesma produz suas mazelas.

Nossa forma de organizar a vida e as riquezas nos levam a crises cíclicas, que vêm de dentro, não de fora, e os tais desvios éticos de várias pessoas são reflexos da prodridão que as circunda. Nesse sentido, a corrupção é consequência do imperativo financeiro num país periférico desigual, que corrompe a política de dentro para fora; o “bandido” é fruto da marginalização que o põe no cadafalso da pobreza e torna a ilegalidade mais do que atraente, às vezes modo de sobrevivência.

As pessoas que pensam dessa forma, não por acaso, são desordeiras, pois sua forma de pensar vai de encontro ao que este Estado tem a função de defender, por isso são agredidas, por isso os professores que se opõem aos projetos de retirada de direitos trabalhistas são espancados, pois estão impedindo o fluxo natural da crise: tolher direitos.

Esta forma de ver o mundo sequer acha a eficiência algo tão atraente. Para ela, isso é quase sinônimo de chato, de “cinza”, de repressão. Pessoas que pensam dessa forma gostam da liberdade de um ponto de vista mais radical. Elas vêem na diversidade a beleza, porque não precisam de padrões que só servem para manter o controle e a ordem de um mundo errado.

De certo modo, elas sequer gostam da palavra “avanço”, preferem a palavra “mudança”, porque o machismo tem de mudar, a LGBTfobia tem de mudar, o racismo tem de mudar e a economia, e o que a comanda, tem de mudar.

A crise, para essas pessoas, é produto da falência de todos, não do erro de alguns, e para isso não há soluções, somente processos, mudanças, lutas que mexem no todo, não só na parte, e por isso nos movem na história.

Eis, portanto, as duas formas de ver o que se passa, de opinar sobre esses projetos de lei e de interpretar Cunha, Bolsonaro, Telhada, Aecio, Alckimin, Beto Richa, Malafaia, entre outros homens, ht, brancos e burgueses que estão fazendo a festa ao coro de muitas panelas. Eu já tenho um lado e estou caminhando. Escolha o seu que nos encontraremos lá na frente, de uma forma ou de outra.

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