Em tempos de crise, duas formas de ver o mundo emergem com clareza: a defesa do status quo e a contestação das estruturas que o sustentam. Ambas as posturas refletem visões divergentes sobre a origem da crise e as possíveis soluções para o que está em jogo.
O cenário político atual, com o avanço de leis que atacam direitos fundamentais e trabalhadores, não pode ser dissociado do momento de recessão econômica em que estamos imersos. A crise, em sua essência, é entendida de maneiras diferentes, dependendo da ótica com a qual é analisada. Quando projetos de lei que envolvem a precarização de direitos, a redução da maioridade penal, e a ampliação da repressão são colocados em pauta, surgem duas visões polarizadas sobre o que está em jogo: a de quem acredita que o mundo está certo e que os problemas são apenas erros pontuais, e a de quem vê a crise como uma consequência das falhas estruturais do próprio sistema.
A primeira visão defende o sistema vigente como sendo, de alguma forma, justo e correto. Nela, a crise é vista como resultado de falhas individuais e não de um sistema que em si já carrega contradições. Para essa linha de pensamento, a solução passa por ações de “higienização” social, como a moralização da sociedade, a segurança acima de tudo, e a punição daqueles que são considerados “culpados” pela crise. A ideia é de que, se o indivíduo fracassa, é porque não foi eficiente o suficiente, e, portanto, medidas severas são necessárias para corrigir esse “erro”. A redução de direitos e o aumento da repressão, nesse caso, são vistos como necessários para restaurar a ordem e garantir o funcionamento do que já é percebido como um sistema válido, apesar das distorções que surgem ao longo do caminho. Essa visão não questiona as raízes profundas das crises sociais, mas foca em atribuir a culpa ao “outro”, o “desviado”, o “culpado”.
A segunda visão, por outro lado, é profundamente crítica ao sistema e à forma como as desigualdades estruturais moldam a sociedade. Para quem pensa dessa forma, a crise não é um acidente ou uma falha pontual, mas uma consequência das próprias contradições do sistema econômico e social. As leis que atacam direitos são vistas como um reflexo de um modelo que marginaliza a grande maioria da população em benefício de uma pequena elite. A corrupção, o crime e a violência são entendidos como manifestações dessa falência estrutural, e não como problemas isolados de indivíduos maus. Nesse ponto de vista, é necessário um movimento contínuo de luta e transformação para mudar as estruturas de poder e a lógica de uma economia que perpetua a desigualdade. O “avanço”, nesse caso, é substituído pela “mudança”, entendida como algo disruptivo que exige uma revisão radical das bases da sociedade.
Essas duas formas de enxergar a crise e os projetos de lei que estão sendo discutidos no país se refletem nas atitudes de figuras políticas que, de um lado, defendem a moralização e a repressão como forma de resolver os problemas, e, de outro, advogam por uma transformação estrutural que enfrente as causas da desigualdade e da violência. A crise, portanto, não é apenas um momento econômico, mas um ponto de inflexão onde os modelos de organização da sociedade e da economia são questionados.
Em tempos de crise, o que está em jogo não é apenas o presente, mas o futuro da democracia, dos direitos humanos e da justiça social. A escolha de qual visão adotar pode determinar o rumo das transformações que estão por vir, e cada um de nós tem um papel nesse processo. O caminho é incerto, mas a reflexão sobre os projetos em andamento, e sobre as possíveis soluções, deve ser feita com consciência e discernimento. No fim, os passos que damos hoje definirão onde estaremos no futuro, seja para reforçar o status quo ou para buscar uma transformação verdadeira.