O diagnóstico na política brasileira

O principal erro das análises da conjuntura política atual tem sido considerar que a visível mobilização da direita brasileira é uma mobilização que pode ser testada como verdadeiramente “política”.

A política, desde seu primórdio, dizia respeito aos “polites”, aqueles que, segundo Aristóteles, se realizavam plenamente apenas na polis. Por essa razão, tiramos que a política é por excelência uma ação dedicada aqueles que querem estar entre outras pessoas e, por isso, é uma ação-entre-os-homens.

Dunker, uma das mais valiosas mentes ainda residentes na USP, já expôs muito bem que nossa sociedade brasileira, uma sociedade muito predisposta aos condomínios, é uma sociedade que se recusa a compartilhar o bem público, que seria, em última instância, o espaço-entre-os-homens.

No condomínio não temos exatamente uma comunidade, onde plurais suportam suas diferenças na manutenção do que é de todos, mas uma copropriedade (do latim, condominium), em que iguais, sujeitos de mesmo poder, compartilham um espaço em que se apartam do que lhes é diferente.

Por esta razão, para além da redução da experiência que esses sujeitos passam a ter, há uma resistência inata a tudo o que é político, pois se recusam a suportar o que lhes dissolve a noção de realidade absoluta à qual estão acostumados.

De fato, atualmente, a dificuldade de lembrar que há um “além” depois dos muros de nossas realidades reduzidas tem sido uma das principais armas contra a possibilidade de termos uma política brasileira propriamente dita.

Tanto as universidades resistem em ter projetos de extensão que se insiram (não apenas supervisionem) noutras realidades, quanto os próprios sujeitos passam a não suportar mais o fato de viverem numa república.

Panelaços contra Bolsonaro acontecem em várias cidades do país - Jornal O  Globo
Panelaços. Foto: O Globo

Toda denúncia já parece em si uma punição, todo questionamento de opinião já soa como tolhimento da liberdade de expressão, toda expressão de julgamento individual já passa a ser um sinal de arrogância. E os centros acadêmicos, os sindicatos, ou mesmo o próprio sistema partidário, são tidos como uma extensão de condomínios, cujos gestores perdem o papel político e assumem a forma de síndicos.

A primeira questão dos panelaços não é que sejam exatamente uma ação política determinada contestando os projetos vigentes do governo, mas uma demonstração condominal de insatisfação por uma gestão do PT indesejável do ponto de vista “sindicante”, isto é, que só consegue olhar a gestão do ponto de vista dos idênticos, não da pluralidade necessariamente política que se roga na gestão de um Estado.

Que o PT merece críticas políticas é um fato. Mas para que eu possa executá-las bem, é necessário garantir primeiro um lugar político entre os brasileiros. E por isso a crítica à forma anti-política com que boa parte das manifestações se dão hoje em dia deveria ser o primeiro passo daqueles que realmente estão preocupados com uma disputa real de projetos; não meras imposições autoritárias de condôminos mal-humorados.

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