Reflexões sobre as percepções das substâncias e os papéis que atribuímos ao prazer e ao trabalho
O conceito de “droga” muitas vezes se confunde com o estigma social em torno do seu usuário, e essa distinção entre o que é considerado remédio e o que é rotulado como droga tem uma base profundamente arbitrária. Muitas substâncias, cujo princípio ativo é o mesmo, podem ser vistas de maneiras opostas, dependendo do contexto.
Quando uma substância é utilizada para fins terapêuticos ou médicos, ela é tratada como um remédio; mas, se a mesma substância é usada para fins recreativos, ela é rapidamente condenada como uma droga. Esse julgamento moral que recai sobre as substâncias não é apenas uma questão de saúde, mas de um profundo reflexo das nossas crenças sociais e culturais sobre o que é aceitável ou não.
Outro ponto relevante é a valorização do trabalho em detrimento da recreação, um fenômeno enraizado em nossas estruturas sociais. O lazer, ou a recreação, é frequentemente visto como algo menor, menos produtivo e até mesmo condenável em alguns contextos.
A sociedade valoriza a produtividade e a utilidade do trabalho, especialmente aquele que está relacionado ao “suor” ou ao sacrifício, enquanto qualquer ato voltado ao prazer, ao descanso ou à diversão é frequentemente desprezado. Mas de onde vem essa ideia de que o trabalho é mais valioso do que a recreação? Por que atividades recreativas são muitas vezes vistas como “menos sérias” ou até como um desperdício de tempo?
O comportamento humano dentro da sociedade muitas vezes reforça a ideia de que devemos nos anular ou nos submeter a situações difíceis e dolorosas para sermos considerados dignos ou válidos. Em nossa cultura, o sofrimento, o sacrifício e a negação de prazer em prol de um objetivo que não é imediato são considerados formas de legitimação. Isso nos leva à conclusão de que, ao se anular ou sofrer em nome de um “bem maior”, as pessoas acabam sendo vistas como mais “legítimas” do que aquelas que buscam prazer ou lazer.
Essa ordem social, na qual cada indivíduo é incentivado a se submeter a regras que frequentemente não consideram suas necessidades emocionais ou pessoais, é uma forma de heteronomia. A autonomia é substituída pela imposição de um sistema de valores que prioriza o sacrifício e a subordinação aos outros, em vez da busca pela felicidade individual. Esse sistema de valores cria uma sociedade na qual, muitas vezes, a felicidade e o prazer são vistos como algo irrelevante, enquanto o sofrimento é a medida de uma vida legítima.
Por fim, acredito que essa lógica social decorre da necessidade de alguns indivíduos de “deprimir” os outros, não porque desejam fazer mal, mas porque, de alguma forma, se sentem mais confortáveis na tristeza ou no sofrimento compartilhado. No fundo, essa busca por uma espécie de “igualdade” na infelicidade é um reflexo da busca por validação pessoal. Se todos estão tristes ou sacrificados, então talvez a dor coletiva ajude a aliviar a sensação de inadequação ou de falha que muitos sentem em sua própria vida.