Relacionamento

O romantismo está morto ou pelo menos foi isso que eu ouvi de uma senhora o ponto de ônibus essa semana, ela não é a única que pensa assim, existe uma corrente de sociólogos modernos que apontam como as relações humanas estão passando por um ponto decadência, como se a tecnologia estivesse mudando a forma de como a gente se relaciona.

Ao mesmo tempo em que os aplicativos como o Tinder, Hornet ou até mesmo o Whatsapp facilitam que a gente fale sem a segurança e o medo da rejeição que tem no encontro, eles também facilitam o contrário, fica muito mais fácil acabar com uma relação, de forma que a gente estaria vivendo em uma espécie de modernidade liquida em que os laços humanos são muito frágeis e o significado de amor já é outro completamente diferente.

O sociólogo Zygmunt Bauman chama esse fenômeno de “Amor Líquido”, e pra entender o que ele quis dizer com isso temos que entender primeiro qual a definição clássica e não corrompida pela tecnologia, de amor.

Amor líquido: 5 pontos sobre o pensamento de Zygmunt Bauman
Jovem naufragando nas mídias digitais. Banco de imagens

Um bom começo pra isso é a obra do poeta alemão Johann Goethe: “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, esse livro teve impacto enorme sobre a forma de pensar e sentir no mundo e é uma história meio autobiográfica do autor, o Goethe que trabalhava em um tribunal de justiça na época teria se apaixonado por uma mulher que por acaso era noiva de um amigo, o personagem Werther, que, aliás, se pronuncia muito parecido com Goethe em alemão teria sido um reflexo desse sofrimento, ele descreve cada momento deles juntos com um romantismo poético muito bonito de se ler e até as características das relações mais normais ganham uma camada de sentimento que eu vi poucas vezes na vida em um livro.

O Werther, que é um pintor chega ao ponto de não conseguir mais criar nada, já que qualquer forma de expressão não seria digna do que ele sentia lindo NE, mas o final da história não é bem assim, o Werther acaba sendo rejeitado e comete suicídio, a dor de perder aquele amor extremamente romantizado é tão forte que a única saída que ele encontra depois da rejeição, é a morte, foi um final bastante pesado, e com a popularidade que o livro ganhou na época também foi um gatilho para uma série de suicídios pelo mundo, a ponto desse fenômeno de um suicídio influenciar outras pessoas a fazerem a mesma coisa ganhar o nome de “Efeito Werther”.

Hoje em dia já é bem mais difícil imaginar uma história romântica dramática desse jeito, historia de amor como a do Werther ou “Romeu e Julieta” de Shakeaspare e varias outras são muito mais difíceis de conceber na chamada modernidade líquida, o Bauman quer dizer com essa expressão é que nada é solido no mundo moderno, as relações humanas da modernidade são marcadas principalmente pela efemeridade e a insegurança. É FÁCIL CONECTAR, FAZER AMIGOS, MAS O MAIOR ATRATIVO É A FACILIDADE DE SE DESCONECTAR.

O conceito de relações de bolso remete a essa duplicidade de querer se conectar com alguém, aproveitando a segurança e o status que isso oferece, mas querer se livrar dessa conexão assim que ela causar algum custo à liberdade individual ou algum problema por menor que seja, na verdade, até se não causar nenhum problema.

A fluidez do mundo moderno esta ligada a sociedade de consumo, da mesma forma que um celular, ou qualquer outro aparelho perfeitamente funcional é trocado por outro melhor e mais novo, uma pessoa também pode ser, segundo Bauman, o amor real pode ser comparado à morte, cada chegada de um dos dois é sempre única e definitiva, e não seria possível amar duas vezes da mesma forma que não da pra morrer duas vezes, claro que muita gente já disse que se apaixonou mais de uma vez, provavelmente se apaixonaram mesmo. Mas a opinião do Bauman sobre isso é que ao invés de ter mais gente atingindo os padrões elevados do amor, esses padrões foram baixados, como resultado, o conjunto de experiências que a gente enquadra como sendo amor é muito maior do que antes, eu não concordo exatamente com essa definição ai, mas a gente já conversa sobre isso.

Amor Líquido - YouTube
Banco de imagens

O ponto, é que ele esta completamente certo quando fala sobre como a cultura de consumo mudou a forma como nós se relacionamos, eu sempre achei complemente absurdo e ao mesmo tempo meio engraçado que logo depois de ter uma combinação com alguém no Tinder, existe a opção “Continuar passando”.

E isso não é muito diferente de um botão de voltar para a loja depois de uma compra, mas eu acho que o amor problema do Tinder é a forma que se procura a autoafirmação dentro dele, é muito comum que usando um aplicativo de relacionamento a gente procure mais o reflexo de si mesmo do que um ser humano de verdade, essa maneira narcisista de se relacionar é um reflexo de uma insegurança do ego que tenta se reafirmar usando outra pessoa, isso é meio inconsciente e, é muito difícil de evitar, mas o fato é que o amor não funciona assim.

Relações reais e orgânicas acontecem entre pessoas muito diferentes e com visões de mundo e opiniões que geralmente são o contrário da nossa, mesmo assim nos completam por algum motivo, deve parecer que eu estou pondo a culpa no Tinder, mas na verdade, eu mesmo já usei.

Pode até ser que vivemos mesmo em tempos líquidos e que muitas relações são narcisistas e colocam a pessoa como produto, mas o modelo clássico de amor romântico também é um problema, ele está ultrapassado e tem uma tendência muito forte a ficar abusivo em algum momento.

O Goethe enxergou isso muito bem, no final do livro comportamento do Werther começa a ficar muito abusivo, e o amor romântico mostra o lado mais possessivo e auto instrutivo que ele tem, o suicídio no final é a maior demonstração possível de falha dessa visão idealizada de uma relação.

A fragilidade das nossas relações em Zygmunt Bauman. | by Laura Cachaneski  | Medium
“Vivemos em tempos líquidos, onde nada é feito para durar”.

O Goethe é declaradamente contra o amor romântico, ele enxergou que o romantismo tenta congelar o tempo em um momento em que tudo é leve e bonito na relação, e cria uma expectativa de que ela vai ser sempre assim.

Quando na verdade uma relação real está bem longe disso, vai ter peso, discussões e inseguranças sempre que tiverem duas pessoas juntas, por esse motivo, muita gente pode preferir uma relação leve ou não monogâmica, mesmo que uma relação assim não se encaixe na definição do Bauman de amor, que necessariamente vai limitar a liberdade, ela pode ser sim uma experiência muito boa e um tipo de amor.

Eu aposto que muitos de vocês, assim como eu já tiveram uma experiência humana e sensível de verdade com alguém que conheceu em um aplicativo, se eles vão ser uma barreira pra comunicação ou uma ferramenta muita boa, depende muito do que a gente está procurando nele.

Amar significa abrir-se ao destino, uma união de medo e prazer num amálgama irreversível,

Bauman, “No brilho ofuscante da pessoa escolhida minha própria incandescência encontra reflexo resplandecente”.

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