Reflexão sobre a resistência à emancipação e as dinâmicas de poder nas redes sociais.
Recentemente, a página “Orgulho de Ser Hétero” foi removida, mais uma vez, assim como outras páginas de figuras públicas que têm se projetado a partir da defesa do senso comum e da resistência ao preconceito. Esse tipo de ação tem gerado reações de indignação, sendo considerada por alguns como uma “ditadura”, uma vez que questionam a proibição como uma forma de censura à liberdade de expressão. No entanto, a ideia de que uma simples reação a esse tipo de conteúdo pode ser interpretada como um ataque à liberdade individual esconde uma compreensão equivocada do papel da liberdade na sociedade contemporânea.
Historicamente, movimentos emancipatórios têm como objetivo destacar o sujeito das amarras sociais que limitam sua liberdade e identidade. O movimento liberal-iluminista, por exemplo, buscou destacar a razão dos condicionamentos impostos pelas crenças religiosas, sendo a razão entendida como algo interno, um produto do exercício livre da subjetividade humana. Galileu Galilei já antecipava essa transformação ao afirmar que a verdade não poderia ser imposta de fora, mas sim descoberta dentro do próprio ser humano.
Esse pensamento não se limita ao campo religioso. O movimento feminista, especialmente no contexto existencialista, também desafiou as estruturas sociais e jurídicas que definiam a mulher exclusivamente por sua biologia e os papéis impostos pela sociedade. O conceito de “torna-se mulher”, de Simone de Beauvoir, foi um passo crucial para libertar a mulher de uma ontologia que limitava suas escolhas e direitos. Essa perspectiva reflete a busca pela liberdade e pela construção da identidade de cada indivíduo sem as imposições externas que definem seu papel na sociedade.
O Brasil, com suas complexas construções sociais e culturais, ainda carrega muitas amarras que restringem as liberdades individuais. Muitas dessas amarras são ligadas a conceitos de comportamento que interferem na vida privada dos sujeitos, criando dificuldades para que eles possam exercer sua liberdade sem enfrentarem resistência ou julgamentos. A questão em discussão não é a liberdade de um indivíduo para viver sua sexualidade ou identidade, mas a tentativa de impor uma norma de sexualidade única, que subordina as outras formas de existir e ser.
Páginas como “Orgulho de Ser Hétero” têm o efeito de afirmar a supremacia da heterossexualidade, uma visão que tem sido usada ao longo da história para marginalizar e até mesmo criminalizar outras sexualidades. No entanto, essa afirmação da heterossexualidade não faz apenas um exercício de identidade, mas busca, muitas vezes, reforçar um poder normativo que desconsidera as diversas possibilidades de existência humana. Em um movimento emancipatório, o objetivo não é apenas permitir a afirmação de identidades marginalizadas, mas garantir que o espaço público e as redes sociais sejam territórios de pluralidade e liberdade.
A reação de certos grupos contra a proibição dessas páginas é, em muitos casos, uma inversão da lógica emancipatória. Ao acusar essa ação de ser uma forma de ditadura, esses grupos revelam uma resistência à aceitação das mudanças nas normas sociais. Eles não percebem que a proibição dessas páginas pode ser vista como uma defesa da liberdade de todos os indivíduos, permitindo que a diversidade se manifeste sem ser suprimida por discursos de supremacia.
Portanto, é importante compreender que certas limitações à liberdade de expressão, como a remoção de páginas que afirmam a supremacia de uma orientação sexual em detrimento de outras, não são uma afronta à liberdade, mas sim uma tentativa de equilibrar o espaço social, respeitando as particularidades de cada sujeito e permitindo uma convivência mais inclusiva e livre. O verdadeiro desafio está em resistir à opressão que perpetua a ideia de que algumas identidades merecem mais visibilidade e respeito que outras, e garantir que as plataformas públicas sejam um reflexo da diversidade humana e da liberdade individual.