Reflexão sobre a inépcia estatal e as consequências das ações negacionistas durante a crise sanitária.
O crime cometido por Bolsonaro durante a pandemia é um exemplo complexo de negação da responsabilidade do Estado diante de uma crise de saúde pública. Embora envolto em categorias mais tradicionais de crimes contra a humanidade, como extermínio e genocídio, a concepção de que a ineficácia, o abandono e o negacionismo diante de uma pandemia sejam também crimes contra a humanidade é um ponto novo e relevante para a jurisprudência. A falha em adotar as melhores práticas científicas e tecnológicas para o enfrentamento de uma catástrofe sanitária expõe uma face inédita da omissão estatal, que resulta diretamente em mortes evitáveis.
O conceito de mortes evitáveis é central para compreender a gravidade do que ocorreu no Brasil durante a gestão de Bolsonaro. Existiam recursos e tecnologias suficientes, tanto no âmbito científico quanto no estrutural, para minimizar o impacto da pandemia. No entanto, o não uso adequado desses recursos pode ser classificado como um tipo de prevaricação, uma negligência dolosa que resulta em morte em massa. Não é necessário discutir a intenção no caso de um governo que, consciente da gravidade da situação e das soluções disponíveis, opta por ignorá-las ou até mesmo promover ações que agravam a crise, como a propagação de falsas informações e o estímulo a comportamentos irresponsáveis.
Bolsonaro, ao invés de agir de acordo com as recomendações científicas e de saúde pública, optou por desinformar a população, incentivando atitudes que resultaram em milhares de mortes. A escolha de vetar recursos essenciais, como vacinas, insumos hospitalares e o auxílio emergencial, enquanto em público defendia o descumprimento das normas sanitárias, revela uma gestão que não só foi ineficaz, mas que também sabotou o esforço coletivo para enfrentar a crise. Ao incentivar a desconfiança nas vacinas e promover tratamentos sem comprovação científica, o governo federal contribuiu diretamente para a piora da situação, ampliando o sofrimento e a mortalidade.
Para entender esse comportamento como um crime contra a humanidade, é importante refletir sobre a responsabilidade do Estado. Não há espaço para alegações de inexperiência ou desconhecimento técnico nesse caso. O Brasil, sendo um país com uma estrutura de saúde pública consolidada, não pode ser considerado desinformado ou despreparado para lidar com uma crise como a da pandemia. A recusa em utilizar os recursos e as tecnologias disponíveis para mitigar os danos foi uma escolha consciente e, portanto, passível de responsabilização.
Bolsonaro manipula duas categorias devastadoras, como fome e asfixia, para criar uma falsa polarização entre as vítimas da pandemia. Em vez de assumir a responsabilidade por suas ações e decisões, ele promove uma narrativa que isenta seu governo de culpa, ao mesmo tempo que fomenta a divisão entre os setores da sociedade. Ao criar esse antagonismo, Bolsonaro tenta desviar o foco das consequências de sua gestão, que, ao contrário de ajudar, agravou a tragédia humanitária.
Portanto, o que se configura é um crime de omissão ativa, uma ação deliberada de enfraquecer as políticas de saúde pública e propagar desinformação. A dimensão desse crime não pode ser subestimada, pois ele não só causou perdas humanas, mas também abalou a confiança nas instituições e nas políticas públicas de saúde.
Esse tipo de negligência estatal precisa ser reconhecido como um crime contra a humanidade, não apenas para responsabilizar os envolvidos, mas também para que sirva de exemplo para futuras crises. Caso contrário, o direito à vida e à saúde, garantido pela Constituição, será um princípio vulnerável a novas interpretações, sempre favoráveis aos que têm o poder de decidir o destino de milhões.