O discurso que rejeita partidos e ideologias como bases para a gestão estudantil revela contradições e falhas conceituais sobre democracia e representatividade.

Um dos argumentos mais recorrentes entre grupos reacionários é a rejeição aos partidos sob o pretexto de priorizar a opinião coletiva. A frase “vamos ser representativos e não colocar partidos acima da opinião dos estudantes” reflete um discurso que, à primeira vista, pode parecer sensato, mas que carrega problemáticas fundamentais. Estas se manifestam especialmente em dois aspectos: a compreensão do conceito de representatividade e a relação com a organização partidária.
A representatividade, por definição, é intrínseca a qualquer processo eleitoral. Mesmo quando o eleito não cumpre as expectativas da maioria, o resultado ainda reflete, em parte, a escolha e o contexto do eleitorado, incluindo seu desconhecimento ou desinteresse sobre as propostas e suas implicações. Assim, criticar uma gestão por suas decisões políticas sem reconhecer que estas decorrem de sua linha ideológica é contraditório. Grupos de direita frequentemente questionam a legitimidade de gestões socialistas justamente por aplicarem medidas alinhadas às suas propostas, como se estas fossem automaticamente indesejáveis. No entanto, viver em uma sociedade capitalista não significa que a maioria de seus cidadãos endosse conscientemente o capitalismo.
Hannah Arendt, em sua análise sobre movimentos totalitários no século XX, destacou a disparidade entre a classe política e as massas, que frequentemente se mostram apáticas e indiferentes. Essa alienação política, característica de sociedades capitalistas, não é dissolvida no ambiente acadêmico, como muitos supõem. Pelo contrário, o desinteresse e a desinformação também permeiam as universidades. O contexto atual, portanto, reflete uma tragédia da representatividade, em que o voto frequentemente não é resultado de um entendimento profundo das disputas ideológicas, mas de uma escolha influenciada por fatores superficiais.
Outro ponto central desse discurso é a rejeição à organização partidária, tratada como algo intrinsecamente prejudicial. Esse afastamento moralista ignora a função essencial dos partidos: a organização de pessoas em torno de ideais políticos para ocupar espaços de poder. Acusar gestões estudantis ligadas à esquerda de subverterem a vontade da maioria enquanto se ignora a ligação de grupos de direita com partidos da ordem é, no mínimo, contraditório. Além disso, tratar órgãos representativos como meros instrumentos administrativos, desprovidos de viés ideológico, é uma simplificação que deslegitima sua natureza política.
No fim das contas, a política de antipartidarismo e apartidarismo promovida pela direita é, em essência, unipartidária. Ao rejeitar qualquer ideia transformadora sob a alegação de preservar a opinião da maioria – frequentemente vista como homogênea e consensual –, esses grupos acabam reforçando o conservadorismo e o status quo. Essa postura impede um debate genuíno e transparente sobre as diferentes propostas políticas e seus impactos na sociedade.
Diante disso, o esforço por conscientizar a população sobre as disputas políticas e os modelos de sociedade em questão torna-se imprescindível. Aqui, a esquerda tem se mostrado mais transparente ao assumir sua divergência ideológica, enquanto a direita frequentemente se apoia na falácia do consenso. Assim, cabe a ambos os lados promover debates que incentivem escolhas mais conscientes, ainda que o desfecho não reflita plenamente os ideais defendidos.
Por fim, a crítica à politização dos espaços acadêmicos e a insistência em um discurso neutro e despolitizado apenas reforçam a importância de textos como este. Em tempos de apatia e desinformação, a reflexão sobre as bases de nossa democracia e representatividade se torna um imperativo ético para qualquer debate público.