BBB 21, racismo e discurso liberal

Estou acompanhando de perto essa edição do BBB. Tive essas reflexões logo na primeira semana, mas por outras dificuldades da vida pessoal, consegui expor apenas agora. Cabe ressaltar que meu lugar de fala não é o mais apropriado para falar sobre esse tema, mas exponho o que observo numa análise fria.

O que primeiro me chamou atenção foi a divisão do jogo, com recorde de pessoas negras (9 de 20), sendo a maioria no Camarote (6 de 10). Sabemos que o principal privilégio do jogo inicialmente é ser do camarote, isto é, ser famoso aqui fora antes do programa começar, com mais de um milhão de seguidores em redes sociais.

Em resumo, Boninho e a produção começaram o jogo colocando os negros no poder. E isso num jogo de relações interpessoais. Além disso, quais negros foram convidados ou selecionados? Negros com história de militância, de engajamento em pautas raciais e sociais, do mundo do rap. Porém, mais importante do que isso, negros conhecidamente difíceis nos bastidores.

Não teve um produtor que eu conheça que já não tenha falado mal de Karol Conka, Projota, até mesmo Camilla. Por que então estas foram as personalidades escolhidas para estar no poder? O pré-roteiro portanto era a pauta da militância, mas tocado por pessoas incoerentes e em relativa posição de privilégio dentro do programa.

A inversão de papéis pressuposta no programa também é visível. Pessoas de grupos sociais historicamente oprimidos, com atitudes reativas para sobreviver no voraz mundo do showbiz, adquiriram posição contigente de poder. Logo, correm o risco de se tornarem opressoras se não medirem as palavras ou virarem essa chave mental da reatividade.

O resultado final foi a criação de um grupo de vilões, apelidado pelo público de “gabinete do ódio”, composto exclusivamente por pessoas negras. A principal vítima desse grupo, Lucas Peteado, também um menino negro periférico. Quase um requentado dos principais lugares imaginários do negro no Brasil. O vilão ou a vítima absoluta. E brigando entre si.

Enquanto isso, as pessoas brancas do programa seguem sendo ou as heroínas sensatas ou as “plantas”, como o público chama quem não participa do jogo e fica de figurante diante dos protagonistas (um velho imaginário do mito da democracia racial, de que os brancos não são os agentes da história).

Longe de mim defender que os posicionamentos e atitudes de Karol, Lumena, Nego Di e Projota sejam louváveis ou ignoráveis. Eu apenas suspeito que essa situação tenha sido planejada previamente ao programa. Não acho que o resultado final tenha sido favorável à diversidade e à pauta racial. Acho que o recorde histórico de 99,17% de rejeição na Karol Conká não tenha se dado em repúdio à sua vilania no programa, mas por ter mobilizado os fantasmas do país mais racista do mundo num momento de máxima audiência do ano.

Karol Conká terá todos os investimentos da Globo para ser “descancelada” individualmente. Mas a pauta racial e militante, impregnada no imaginário popular agora pela figura de vilões, segue fragilizada, e ganha um discurso liberal de “moderação”, de que não adianta ter postura reativa num país em que, não, negros não estão no poder.

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