Ao rotular o estupro como “suposto” nas manchetes, a mídia não apenas minimiza a gravidade do crime, mas reforça a naturalização da violência sexual na sociedade, impedindo a conscientização coletiva e a responsabilização dos agressores.
A ética, enquanto uma habilidade fundamental para discernir o certo do errado, parece estar sendo constantemente desafiada em nossa sociedade, especialmente quando se trata da violência sexual. O tratamento dado à violência nas manchetes de jornais exemplifica essa falha ética. Ao rotular casos de estupro como “supostos”, a mídia se afasta da responsabilidade de afirmar uma realidade dolorosa e urgente. A utilização dessa linguagem, que coloca a agressão sexual em uma zona de incerteza, contribui para a perpetuação da cultura de violência. Em outras palavras, ao suavizar o crime com o termo “suposto”, os veículos de comunicação não apenas atenuam a gravidade do ato, mas também desumanizam as vítimas, negando-lhes o reconhecimento imediato da violência sofrida.
Essa hesitação em afirmar o estupro como fato gera uma desconexão entre o que é moralmente claro e o que é tratado como uma questão de debate ou incerteza. Em nenhum outro caso de violência, como homicídios ou roubos, essa dúvida existe. Se alguém é morto ou roubado, as palavras usadas para descrever esses eventos são definitivas e claras. No entanto, quando se trata de estupro, há uma espécie de medo, ou talvez uma hesitação calculada, de rotular o crime de maneira firme. Isso sugere uma profunda disfunção ética, um sistema que, ao invés de proteger e apoiar as vítimas, faz delas objetos de dúvidas e discussões, ao mesmo tempo em que silencia a gravidade do que ocorreu.
Esse comportamento da mídia é reflexo de uma sociedade que, de maneira inconsciente, ainda trata o estupro como um crime menos grave ou como algo que pode ser questionado. Isso alimenta a naturalização da violência sexual, pois ao não nomear o ato de estupro de forma clara, ele continua sendo visto como algo periférico, algo passível de dúvida, ao invés de um crime violento que deve ser combatido com firmeza. A perpetuação dessa cultura do “suposto” contribui para o fato de que, muitas vezes, a violência sexual é tolerada ou ignorada, não apenas pela sociedade em geral, mas por aqueles que têm a responsabilidade de reportar a realidade.
Essa falha ética não é apenas um reflexo da mídia, mas de uma sociedade que, de maneira mais ampla, minimiza ou ignora a gravidade do estupro. Essa negação não só impede uma verdadeira compreensão do crime, mas também desresponsabiliza os agressores e dificulta a luta pela justiça. A revolução começa quando as vítimas deixam de ser reduzidas ao “suposto” e passam a ser reconhecidas pela sociedade e pelos meios de comunicação como protagonistas de uma realidade que precisa ser confrontada. Essa não é apenas uma questão de palavras, mas de ética, de reconhecer a violência sexual como uma ferida aberta que precisa de tratamento, e não de dissimulação.