Em uma sociedade que valoriza o sucesso individual, a pressão por resultados imediatos e o sacrifício do presente em nome de um futuro idealizado entram em conflito com a crescente prevalência de doenças mentais, evidenciando uma psicofobia estrutural que exclui aqueles que não se encaixam nos padrões exigidos.
Vivemos em uma sociedade que constantemente prega a eliminação da “mentalidade de curto prazo”, impondo uma lógica onde a busca por resultados rápidos e prazeres imediatos é considerada um obstáculo à conquista do sucesso. O sacrifício do presente em nome do futuro, a busca incessante pela produtividade e o afastamento das recompensas imediatas são princípios amplamente defendidos. Porém, há uma grande contradição nessa premissa, pois é exatamente essa estrutura que alimenta e agrava os problemas de saúde mental, como a depressão e a ansiedade.
A depressão, em particular, é frequentemente associada ao fracasso pessoal em uma sociedade que exige o sucesso individual. O indivíduo que luta contra a depressão é muitas vezes visto como alguém que falhou em atender às expectativas de produtividade e eficiência impostas pela sociedade. Neste cenário, a busca por prazer imediato – algo muitas vezes utilizado como mecanismo de enfrentamento para lidar com a doença – é reprovada. A pressão por resultados rápidos e a desconexão com o prazer simples do presente se tornam um ciclo vicioso que alimenta ainda mais o sofrimento emocional e psicológico.
Este fenômeno pode ser analisado através do conceito de “psicofobia estrutural”, um termo que descreve a incompatibilidade intrínseca entre o sistema social e as doenças mentais. Ao mesmo tempo em que a sociedade exige a eliminação de qualquer forma de mentalidade imediatista para alcançar o sucesso, ela também cria condições ideais para que doenças como a depressão e a ansiedade proliferem, ao promover uma busca constante por perfeição, superação e produtividade. Em outras palavras, o próprio sistema, com suas demandas por resultados e sacrifícios, é também o criador de condições que levam ao sofrimento mental.
Essa realidade se torna ainda mais complexa quando percebemos que o sistema que preza por um sucesso individual é também o principal responsável pela criação das condições que levam as pessoas à exclusão. A seleção natural, dentro dessa estrutura, funciona da seguinte maneira: aqueles que conseguem se adaptar a essa mentalidade e alcançar os resultados esperados são considerados “sobreviventes”, merecedores de reconhecimento e recompensas. Já aqueles que não conseguem se encaixar nesse modelo são rotulados como fracassados, com suas dificuldades emocionais e psicológicas sendo vistas como falhas pessoais.
A meritocracia, assim, se revela uma ilusão, uma construção ideológica que serve para justificar essa seleção arbitrária e cruel. Aqueles que conseguem “vencer” em um sistema que favorece o sucesso individual são tratados como exemplares, enquanto os outros, vítimas da própria estrutura, são deixados à margem, incapazes de escapar das consequências de um sistema que os exclui.
Portanto, a questão central reside em perceber que a sociedade, ao promover uma lógica de sucesso e fracasso individual, está simultaneamente criando as condições para o sofrimento mental e a exclusão daqueles que não se encaixam nesse modelo. O sistema não apenas produz, mas também descarta aqueles que não conseguem acompanhar suas exigências, criando um ciclo contínuo de discriminação e marginalização, onde a verdadeira meritocracia nunca se realiza.

O Golpe Final: A Ideologia do Sucesso e a Culpa pelos Doentes Mentais
Ao adotar a lógica de sucesso e fracasso individual como norma social, a sociedade não apenas exclui aqueles que sofrem com doenças mentais, mas também intensifica seu sofrimento ao atribuir-lhes a responsabilidade pela cura, negando-lhes a empatia e os recursos necessários para a reabilitação.
Em um cenário onde a ideologia do sucesso individual prevalece, muitas vezes se busca formas de lidar com o sofrimento causado pela saúde mental, seja através da negação do problema ou pela minimização das dificuldades daqueles que enfrentam tais condições. O intuito pode ser o de proteger-se da dor de ver uma realidade que não se encaixa nas expectativas sociais, ou talvez na tentativa de sobreviver à arbitrariedade que a sociedade impõe sobre os indivíduos. No entanto, essa negação acaba por fortalecer a própria estrutura de exclusão que marginaliza as pessoas com doenças mentais, consolidando uma narrativa que as estigmatiza como fracassadas, incapazes de se adaptar aos padrões exigidos.
O principal efeito dessa lógica de “superação” é o aprofundamento do sofrimento psicológico. A crença de que a solução para a depressão e outras doenças mentais depende apenas da “força de vontade” da pessoa acaba culpabilizando os doentes pela sua própria condição, criando um ciclo vicioso onde o sofrimento é não apenas ignorado, mas também ampliado. A pressão para “superar” as dificuldades psicológicas através da força de vontade ignora a complexidade das doenças mentais, que muitas vezes não têm cura imediata e exigem apoio contínuo, tratamento profissional e, acima de tudo, acolhimento.
A responsabilidade pela cura recai sobre os próprios doentes, o que coloca uma carga desproporcional sobre seus ombros. Esse julgamento, que atribui ao indivíduo a falha ou a falta de empenho em sua própria recuperação, reforça o estigma social em torno das doenças mentais, tornando ainda mais difícil para as pessoas afetadas buscarem ajuda. Ao invés de um processo de cura baseado em cuidados médicos e compreensão, os doentes acabam isolados, reforçando a ideia de que, se não conseguirem “superar” suas condições, é porque não estão se esforçando o suficiente.
Esse discurso, que se infiltra nas interações sociais, familiares e até mesmo profissionais, tem consequências devastadoras. Ao associar doenças mentais à falta de força de vontade, a sociedade não apenas ignora as complexidades e as causas profundas dessas condições, mas também desumaniza aqueles que sofrem com elas. O que deveria ser um processo de apoio e reabilitação se torna um campo minado de julgamentos e culpabilizações, onde as pessoas com transtornos mentais são forçadas a lidar com uma pressão adicional: a de serem, ao mesmo tempo, doentes e culpadas por estarem doentes.
Assim, o efeito final desse modelo é o agravamento do sofrimento e a perpetuação de um ciclo de exclusão. As pessoas com doenças mentais, ao invés de serem acolhidas e tratadas com a dignidade que merecem, são deixadas à margem, tendo de lutar sozinhas contra um sistema que as vê como “fracassadas” e as responsabiliza pelo processo de cura. O apoio que elas realmente precisam – empatia, tratamento adequado e um ambiente social e profissional que compreenda suas dificuldades – é substituído por um discurso cruel que só agrava o estigma e dificulta a recuperação.