Ao refletir sobre a empatia e as ações de um líder controverso, surge a pergunta: é possível equilibrar princípios humanistas com a necessidade de justiça em tempos de tragédia?
Não é hipocrisia ser um humanista e, ao mesmo tempo, desejar a morte do presidente Jair Bolsonaro em razão de complicações decorrentes da COVID-19. O verdadeiro ato de hipocrisia, na verdade, ocorre quando se apoia um governo que, de forma sistemática, negligenciou a vida de milhares de brasileiros e agiu com uma postura insensível diante da maior crise sanitária da história recente. A resposta de Bolsonaro ao imenso sofrimento causado pela pandemia foi uma negação constante da realidade e uma atitude desprezível diante das vítimas do vírus, como evidenciado por sua famosa resposta “e daí?”, ao se referir ao número crescente de mortes.
Aqueles que, com uma dose de cínica ironia, aguardam alguma forma de justiça divina, ou até mesmo uma reação histórica a essa postura irresponsável, não estão se igualando aos opositores. O que ocorre é uma reação legítima das pessoas, que estão entre os grupos mais atingidos pelas ações do governo, à indiferença e ao desrespeito demonstrados por Bolsonaro. O cinismo e a incapacidade de diálogo dos seus seguidores não devem ser confundidos com um sinal de que suas atitudes estão sendo validadas; ao contrário, elas refletem uma profunda desconexão com a realidade e com os direitos humanos.
Pedir empatia por alguém que, na posição de liderança, deliberadamente optou por ignorar os conselhos médicos e tomou atitudes que claramente facilitaram a disseminação do vírus, não faz sentido sob nenhuma ótica estratégica ou ética. Demonstrar compaixão por Bolsonaro, nesse cenário, significaria validar uma postura de impunidade e negligência diante dos danos causados. De fato, a dor que ele gerou no país impossibilita qualquer sentimento genuíno de solidariedade, especialmente quando sua própria postura foi de total desprezo pelas consequências de suas ações.
Por outro lado, a insistência em pregar um pacifismo absoluto e uma total ausência de julgamento sobre as ações de líderes políticos é uma visão política distante da realidade. A política não é apenas sobre números ou estratégias vazias de empatia, mas sobre pessoas, sobre vidas. E quando os líderes falham em proteger essas vidas, torna-se inevitável que as consequências de seus erros sejam refletidas no desespero e na frustração daqueles que sofreram com suas escolhas. Em tempos de crise, essa realidade não pode ser ignorada por um discurso meramente teórico, que finge desconsiderar os danos concretos causados pela administração de um governo ineficiente e cruel.
O dilema enfrentado pelos que criticam Bolsonaro não é sobre se igualar ao outro lado, mas sobre reconhecer a gravidade da situação e a necessidade de justiça, mesmo em momentos de dor.